sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O rei e o menino

Numa manhã de primavera, o rei resolveu fazer um passeio pelas ruas da capital. Pululavam-lhe na memória as tristes recordações do passado, no qual a morte visitara o palácio real. Primeiro foi a rainha, e pouco tempo depois, o príncipe, seu único herdeiro.
Enquanto contemplava as prósperas avenidas, repletas da população respeitosa e reverente à sua passagem, pensava que o fruto de sua honesta e sábia administração estava destinado a perecer após sua morte. Não encontrava em nenhum dos súditos e parentes as qualidades de espírito e a religiosidade indispensáveis para a salvaguarda de um reino cristão.
As densas nuvens que lhe turvavam a alma suavizaram-se um pouco à vista da catedral.
— Parai aqui, disse ao cocheiro, que quero rezar. Adentrando o sagrado recinto, o rei dirigiu-se à imagem de São José. Ali, brotou-lhe do fundo da alma uma prece:
— Ó bondoso pai de Jesus, a cujos pés vieram rezar, no decorrer dos tempos, também os meus antepassados. Entrevejo desde já as desgraças e desavenças que tomarão conta do reino após minha morte, caso eu parta desta vida sem deixar descendência. Vós, que tivestes sob vossa tutela o Rei dos reis e Senhor dos senhores, intercedei por mim junto Àquele que governa o universo.
Já no caminho de volta para o palácio, a carruagem dourada do soberano se deteve num cruzamento. Os olhos do monarca recaíram sobre um menino pobremente vestido que atravessava a rua. Impressionado pela semelhança que havia entre ele e o exherdeiro, mandou chamá-lo.
O pequeno aproximou-se timidamente e perguntou:
— Majestade, em que posso servi-lo?
— Senta-te ao meu lado, quero conversar contigo.
A princípio envergonhado por suas pobres e sujas roupas, o menino foi se esquecendo de sua miserável condição. Tão bondoso era o rei, e tão à vontade o deixara que sua atenção estava completamente voltada para o grande soberano.
— Como te chamas, e quem são teus pais?
— Chamo-me José, porque nasci no dia da festa desse santo. Quanto aos meus pais... eles morreram faz muito tempo. Eu moro com uma tia que não gosta muito de mim. Durante o dia eu peço esmolas, para aliviar um pouco as privações.
Diante desse menino frágil e necessitado, o rei discerniu um sinal do Céu.
— José, queres vir comigo para o palácio real, onde ocuparás o lugar do príncipe? Tu serás a partir de agora o meu filho, e quando Deus me chamar à Sua presença, tu serás o rei desta nação.
O pequeno menino abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Aquele convite era completamente desproporcionado com sua humilde condição! Com muito esforço respondeu:
— Estou pronto para fazer a vossa vontade, meu senhor. Chegando ao palácio, o rei disse para toda a corte:
— Desejo que este menino seja meu herdeiro. Quando eu morrer, ele será o novo monarca. Levem-no para o quarto de dormir de meu falecido filho, vistam-no com suas roupas, ofereçam-lhe os alimentos que desejar, sirvam-no como fariam ao príncipe.
José foi sendo educado, tornouse moço e convivia de modo perfeito com o rei. Tudo corria com normalidade, porém no espírito do monarca nasceu uma interrogação: “Esse menino me quererá verdadeiramente bem? Ser-me-á agradecido pelo que recebe? Tornar-se-á digno de um dia dirigir meu reino? Ou será ele um ingrato que me agrada por interesses momentâneos? Para obter respostas seguras a essas indagações, vou submetê-lo a uma dura prova, pois se não o fizer, minha generosidade pode significar grande estultice”.
No dia seguinte o rei pôs em prática a dura prova para o príncipe. Passou a fingir que não lhe demonstrava a mesma amizade, que não o compreendia bem. Olhava-o com indiferença, e até com certa distância. Concedia-lhe audiências curtas, prestava-lhe pouca atenção, evitava-o em favor de coisas menos importantes. Chegou a ponto de conversar com terceiros, na presença dele, sobre reis viúvos e sem filhos que casaram novamente, tiveram prole e asseguraram sua descendência.
— Quem sabe se eu sigo o exemplo deles, contraio outras núpcias e tenho um herdeiro do meu próprio sangue?
Ao cabo de vários meses neste regime, o rei mandou um nobre da corte experimentar José.
— Não sei o que se passa, príncipe José, mas sinto nosso soberano muito mudado. Percebo que ele já não te devota o mesmo afeto de antes. Creio que para ele, já não és mais seu filho.
— Sim, nobre marquês, hei de concordar que o rei está muito sério e formal. Entretanto, não faz parte de seus direitos tratar-me conforme queira? Eu recebi tanto dele! Ainda que ele me tire tudo, eu o servirei a vida inteira!
Sem demora o marquês foi levar a resposta ao rei. Ficou assim comprovada a lealdade do coração do príncipe, o que muito consolou o monarca. Contudo, ele ainda precisava de uma derradeira demonstração de fidelidade do príncipe.
Certa madrugada, mandou acordá-lo e trazê-lo à sua presença.
— Preciso incumbi-lo de uma missão perigosa e confidencial. Em país distante há um preso que espera uma mensagem minha. Nesta noite mesmo, terás de sair disfarçado do palácio, viajar para lá, dizer que és meu filho, deixar-te prender e seres conduzido ao mesmo cárcere, para assim poder transmitir o meu recado à pessoa em questão.
O jovem, embora surpreso, não hesitou em responder:
— Meu senhor e pai, farei isso com todo o empenho. A que horas devo partir? Como se chama o preso? Qual é a mensagem que Vossa Majestade quer que lhe seja transmitida?
O rei deu ao príncipe as instruções necessárias e acrescentou:
— Você tem uma hora para estar pronto. Diga-me “até logo” e vai-te embora.
O rapaz se inclinou e se retirou.
Na hora exata, apresentou-se disfarçado diante dos guardas à porta do palácio. Mas, para sua surpresa, eles o impediram de sair, dizendo:
— O rei ordena que voltes para teu quarto! Ele retornou e o monarca o acolheu com transbordamentos de agrado. Estava assegurada a sucessão ao trono naquele reino mítico e maravilhoso...
* * *
Foi um sábio quem compôs essa história, à qual podemos dar a seguinte interpretação: tendo Deus criado os anjos para reinarem no Céu, olhou com tristeza os tronos que os seguidores de Lúcifer deixaram vazios. Chamou, então, os pobres homens para ocuparem aqueles lugares esplendorosos, muito acima dos seus merecimentos; e a fim de comprovar o grau de amor e gratidão de cada um, decidiu submetê-los a provações.
Se nelas formos fiéis, pelos rogos misericordiosos de Maria Santíssima, Nosso Senhor nos introduzirá no Paraíso, dizendo: “Servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor” (Mt 25, 21).

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