sábado, 23 de junho de 2012

A rosa e os espinhos

Quem nunca feriu os dedos ao segurar, sem o devido cuidado, um formoso “bouquet” de rosas? A reação é instintiva: uma curta exclamação de dor, seguida de um leve balançar da mão. Se a picada tiver sido suficientemente profunda, logo se verá o brilho de um ponto vermelho, o qual se avoluma até se transformar num filete de sangue que vai traçando o seu caminho ao longo do dedo.

Na mente da vítima pode nascer certa perplexidade: uma flor tão bela, a rainha das flores, e com esses espinhos tão pontiagudos!... Deus não poderia ter criado a rosa sem espinhos? A pergunta é compreensível. A resposta virá mais adiante.

Já nos primeiros séculos da Igreja, a rosa passou a ser tomada, por sua beleza, como um símbolo da Virgem Maria. No hino “Akathistos Paraclisis”, das Igrejas do Oriente, se canta: “Maria, Tu, Rosa Mística, da qual saiu Cristo como milagroso perfume”. Também, no Ocidente, na Ladainha Lauretana, rezamos: “Rosa Mística, rogai por nós!”

Por que rosa? Por que mística? E será com espinhos?!

A rosa, como todos sabem, é constituída por pétalas que se sobrepõem e se envolvem numa harmonia perfeita. À medida que ela vai se abrindo, mostra gradativamente suas belezas, ocultas no interior, onde encerra o melhor de seu perfume. Se fixarmos a atenção na textura das pétalas, veremos que são de uma suavidade sem igual, evocando o modo de ser afável e acolhedor com que Nossa Senhora trata seus filhos e filhas.
As flores não emitem sons, mas, se a rosa falasse, como seria o tom de sua voz, para representar Nossa Senhora? Sem dúvida, teria analogia com o aveludado de suas pétalas...

Também, ao longo da História, o aprofundamento no conhecimento de Maria cresceu, à medida que a Igreja foi desvendando os tesouros de sua alma imaculada, tal como descobrimos a beleza encantadora da rosa enquanto vai desabrochando.
Entre as riquezas que Maria guarda no interior de seu coração virginal — tal como o encanto da rosa se esconde no âmago de suas pétalas — há graças e dons do Espírito Santo que elevam sua alma à mais íntima união com Deus.

Aos que se aproximam da Rosa Mística com admiração e devoção, Ela os faz generosamente participar de suas graças e de seus dons, inebriando-os com a fragrância de seu odor, que não é senão o próprio perfume de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas, e os espinhos? Não são o contrário da suavidade e delicadeza próprias à Virgem das Virgens?
São eles uma imagem eloqüente da rejeição ao pecado. Lembram-nos a existência do mal.

Como nem a mais leve sombra de mancha ou imperfeição obscureceu a alma de Maria, por sua completa rejeição ao mal, Ela é o terror dos demônios, sendo representada em muitas de suas imagens calcando aos pés a Serpente. Sem perder nada da suavidade maternal com que acolhe os que Lhe pedem proteção, Ela a pisa com firmeza e superioridade esmagadora, sem baixar o olhar, sequer, para o réptil que rasteja a seus pés.

A rosa é, pois, um belo e adequado símbolo de Nossa Senhora, evocando a mais alta contemplação de Deus e, ao mesmo tempo, a repulsa intransigente ao mal. Se a rosa tivesse sido criada sem espinhos, que flor conseguiria representar tão bem essas virtudes contrárias, mas harmônicas, da alma puríssima de Maria? 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

A arte de comer com espírito

Em culinária, a qualidade dos ingredientes e o esmero na preparação dos pratos não são suficientes para agradar os convivas. Os aspectos psicológicos e espirituais têm grande relevância na boa mesa.
Uma das últimas tendências gastronômicas em Paris acena para a “arte de comer com espírito”, segundo notícia da conhecida revista parisiense “Figaro Magazine”. Ressalta ela também a existência de uma “recusa de portar-se à mesa de modo enfadado”. Após prevenir o riso irônico que essa afirmação pode provocar — pois, em princípio, ninguém senta-se de má vontade à mesa — a revista acrescenta:
“Entretanto, nem todos os restaurantes estão aptos a atenderem tais requisitos. Claro está que ninguém vai comer as cortinas das salas de jantar, mas no momento atual o ambiente tornou-se um dos pontos fundamentais do bom acolhimento nos estabelecimentos. A decoração absorve tanto a atenção do “maître” como a dos clientes.
“Hoje em dia as pessoas não se contentam mais com restaurantes onde há apenas pratos brancos, sem decoração. Desejam mais. Querem um complemento para a alma, que seja um prolongamento do ambiente familiar, que tenha alguma transcendência, algo de imponderável. Inúmeros são os restaurantes que chamam a atenção para o elemento surpresa, para o que não se esperava.”
Conclui a Revista afirmando que nos restaurantes o papel preponderante não pode mais ser reservado exclusivamente aos alimentos enquanto tais. Eles devem ser apresentados de modo agradável e decorativo.
 * * *
Durante décadas, certa publicidade materialista vem inculcando a idéia de que, em matéria de alimentação, não se deve dar qualquer importância aos aspectos psicológicos, ou seja, à bela apresentação dos pratos, arrumação das mesas, decoração dos ambientes. Pois, afirma-se, uma vez saciada sua necessidade de nutrição, o homem está suficientemente atendido, podendo o restante ser excluído de suas preocupações.
Ora, esta é uma doutrina errada, pois o homem é composto de corpo e alma — ou melhor, na ordem certa, de alma e corpo — e justamente nisto consiste sua semelhança com os anjos, puros espíritos. E atender, no campo da gastronomia como em qualquer outro, tão somente a um dos seus elementos constitutivos, acaba produzindo a atrofia do outro. Este é precisamente o malefício imposto pela mencionada mentalidade consumista materialista à sociedade atual.
Por este motivo, é alentadora a notícia de que, afinal, depois de ser comprimida durante tanto tempo, a apetência do belo e do bem-arranjado ressurge com uma força inesperada: “As pessoas não se contentam mais com restaurantes onde há apenas pratos brancos, sem decoração. Desejam mais. Querem um complemento para a alma”.
Note-se que Paris sempre foi considerada a capital gastronômica do mundo. E isto, tanto no que diz respeito à alta culinária dos restaurantes caros e selecionados, quanto no tocante ao nível médio ou mesmo popular. Por outro lado, o público francês sempre foi dos mais exigentes nesta matéria, não aceitando meias-medidas. Isto dá especial realce ao fato de que, tendo podido atender geralmente a todos os requisitos de uma boa alimentação corporal, os parisienses sintam agora maior necessidade de “um suplemento para a alma”.
Numa sociedade que levou quase ao delírio o culto dos bens meramente materiais, esta notícia só pode ser recebida com alento por aqueles que almejam também pelos bens do espírito. Tanto mais se considerarem que as manifestações dessa forte tendência talvez sejam os primeiros lampejos de uma renovação muito mais ampla, pela qual clama a alma humana.