Esta história teve lugar há
mais de dezesseis séculos. Eram dias de grande festa em todas as cidades e
aldeias da antiga Armênia, e havia razão de sobra para tantas músicas e
comemorações: o imperador Tiridates havia se convertido ao Cristianismo.
A maior parte da população do
país já era de fato cristã, e a notícia trouxe júbilo a todos. A todos? Não...
Na verdade, houve também os que não a receberam com tanta alegria.
Um desses era o nobre Kammo. É
difícil traduzir os títulos orientais da época, mas ele seria mais ou menos o
que hoje chamamos um conde. Por facilidade de expressão, vamos nos referir a
ele como o conde Kammo. Sua autoridade estendia-se numa pequena região situada
às margens do lago Servan, onde ele possuía um bem guarnecido castelo
construído sobre uma colina.
Pagão e seguidor de Zoroastro
desde a infância, o conde Kammo recebeu de mau-grado a notícia. Não ousou enfrentar
a autoridade imperial, mas em seu íntimo concebeu a intenção de dificultar ao
máximo a vida dos cristãos. Após alguns dias, escolheu seu alvo: um honrado
comerciante da cidade, chamado Vardenis, cristão fervoroso e braço direito do
pároco local. O malvado conde conseguiu falsas testemunhas para o acusarem de
um crime que não cometera, e assim, o pobre homem foi levado a julgamento.
Como ao próprio conde cabia o
exercício da justiça naquela parte do reino, foi rápido e fácil condenar
Vardenis. Numa triste tarde de outono, no salão do castelo, desolado ele ouviu
sua condenação à morte. No entanto, ousou fazer um último pedido ao juiz
iníquo.
— Por favor, ó conde, faço-vos
um derradeiro pedido: visitar pela última vez, antes de ser executado, meus
velhos pais que vivem na distante aldeia de Tumanyan.
O conde irritou-se, pois julgou
tratar-se de mera artimanha. Quem poderia garantir que o condenado não
aproveitaria a ocasião para fugir do país e nunca mais voltar? No entanto, este
assegurou:
— Podeis acreditar em mim, ó
conde. Ao viajar, deixarei em meu lugar um refém, como garantia de minha volta.
Bem sabeis que não tenho parentes próximos aqui, mas tenho um grande amigo
chamado Talin e estou certo de que, por amor a Deus, ele consentirá em fazer-me
este supremo favor.
O mau conde riu, pois não
acreditava existir alguém néscio a ponto de colocar-se voluntariamente em tal
situação de perigo. Porém, no intuito de provar a ingenuidade de um cristão,
autorizou que, sob forte guarda armada, Vardenis fosse ter com seu amigo. Qual
não foi sua surpresa quando, horas depois, retornava ao castelo o infeliz
condenado, em companhia de seu fiel amigo Talin.
Contrariado, o conde mostrou-se
inclemente:
— Oh! percebo que há entre os
cristãos gente suficientemente tola para se expor a isso. Pois bem, podes
partir, mas se dentro de sete dias não te apresentares de volta até o pôr-do-sol,
saibas: a cabeça de teu amigo Talin irá rolar!
Com um grande abraço,
despediram-se os amigos, e Vardenis partiu a cavalo rumo à distante Tumanyan.
Acorrentado em um úmido calabouço, Talin ficou esperando passarem-se os dias e
as horas.
Na verdade, o conde Kammo tinha
razões maquiavélicas para autorizar o sentenciado a empreender essa viagem. Ele
estava seguro de que Vardenis não voltaria. Talin seria fatalmente executado em
seu lugar, e isso só poderia causar desprestígio aos cristãos, provando que,
por mais que em suas igrejas se pregasse o amor ao próximo, na hora do perigo
um cristão fugia para salvar sua própria pele, como faria qualquer pagão. E
tratando-se de um personagem tão conhecido, amigo pessoal e homem de confiança
do pároco, o escândalo seria ainda maior! O conde esfregava as mãos com maligna
alegria, enquanto aguardava o fatídico dia da execução.
Passaram-se os dias e a notícia
se espalhou por toda aquela região da Armênia. Vardenis voltaria ou não? Chegou
por fim o temido sétimo dia, e o sol declinava perigosamente no horizonte. O
infeliz Talin já fora conduzido ao pátio das execuções, com as mãos amarradas
às costas. O sinistro carrasco esperava em um canto, munido de seu enorme
machado. E o conde, satisfeito, a tudo assistia de uma poltrona posta em local
privilegiado.
Justamente quando o sol estava
a ponto de esconder-se atrás das montanhas, ouvem-se gritos, um grande vozerio
e um tropel de cavalo do lado de fora do castelo. Era Vardenis que retornava!
Empoeirado e ofegante, ele
entra correndo no grande pátio. Ao vê-lo, Talin protesta:
— Por que voltaste, ó
insensato? Eu já tinha oferecido minha vida pela tua! Bem sabes que o fiz de
coração, e dava meu sacrifício por bem pago!
— Nunca, meu amigo! A ti, que
és meu irmão na fé e a quem tanto estimo, jamais abandonaria a uma tão desgraçada
sorte!
Continuavam ainda a discutir quando,
de súbito, um brado os interrompeu. Era a forte voz de Kammo, que com firmeza
dizia:
— Basta! Há dias atrás, emiti
uma sentença de morte. Agora, diante do que vejo, devo pronunciar mais uma!
Fez-se um grande silêncio e
todos, espantados, tinham os olhos cravados na enigmática figura do poderoso conde.
E ele continuou:
— Hoje, decreto pena de morte
à... à dureza de meu coração! Em toda a minha vida, nunca ousei imaginar que
pudesse haver tão sincera amizade! Assim, perdôo aos dois, com a condição de
que — dom magnífico! — me aceitem como partícipe dessa maravilhosa amizade!
Os amigos entreolharam-se, e
Talin tomou a palavra:
— Nobre conde, entendo o que
sentis. No entanto, previno-vos de que nossa amizade é fruto do Batismo, o qual
nos mune do celeste auxílio para chegarmos a tão alto grau de dedicação ao
próximo. Se, pois, quereis realmente participar desta autêntica amizade,
fazei-vos batizar, e sendo cristão, sabereis o que é ter verdadeiros amigos!
E assim sucedeu. Convertido
pelo magnífico exemplo dos dois amigos, dias depois o conde Kammo fez-se cristão
em pública e concorridíssima cerimônia. Desta maneira ele, de cruel tirano,
tornou-se um dos mais benéficos e justos nobres que a Armênia jamais teve…