terça-feira, 7 de junho de 2016

Ação de graças após a Sagrada Comunhão

Numa igreja de Roma, em fins do século XVI, o sacerdote termina de celebrar a Missa e sai apressadamente da sacristia. Anda pela rua a passos rápidos, impelido por importantes ocupações de seu ministério. Não sem grande surpresa, percebe que seus dois coroinhas, revestidos ainda de túnica e sobrepeliz o alcançam e se põem a seu lado, portando cada qual uma vela acesa... Os transeuntes abrem alas, com respeito, como para a passagem do Santíssimo Sacramento.
— O que estão fazendo? — pergunta aos jovens.
— O padre Filipe nos mandou seguir o senhor!
O ministro de Deus logo compreende sua falta. Recolhido e contrito, retorna à igreja para fazer a ação de graças, sempre seguido pelos coroinhas com suas velas acesas, que indicavam a todos a presença da Sagrada Eucaristia...1
Deste modo inequívoco, com traços de amabilidade, o fundador da Congregação do Oratório, São Filipe Neri, procurava advertir seus padres da suma importância de fazer com respeitoso recolhimento a ação de graças após a Sagrada Comunhão.
Ora, o que o Santo florentino via e lamentava em sua época, vemo-lo também nós, mutatis mutandis, no século XXI: muitas vezes, até mesmo pessoas bem intencionadas descuram o período de ação de graças, não dando a devida importância às Sagradas Espécies que acabam de receber.
É o próprio Cristo que recebemos
Para melhor compreendermos a inefável graça que recebemos ao comungar, é imprescindível lembrarmos de que é o próprio Deus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que penetra no nosso interior. A Sagrada Hóstia que o sacerdote nos entrega em nada se diferencia das que adoramos no tabernáculo ou no ostensório. Por isso, alguns teólogos não hesitam em afirmar que poderíamos nos ajoelhar diante de quem acabou de comungar, como o fazemos diante do sacrário, uma vez que Deus está realmente presente tanto num quanto no outro.2
Recordando esta verdade, o Papa Bento XVI inicia sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis dizendo: “Sacramento da caridade, a Santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem”.3 Mais adiante, no mesmo documento, nos aconselha que “não seja transcurado o tempo precioso de ação de graças depois da Comunhão”,4 e salienta a conveniência de permanecermos recolhidos em silêncio durante esta.
Na Última Ceia, Cristo declarou aos Apóstolos que havia desejado ardentemente dar-lhes seu Corpo e seu Sangue como alimento espiritual (cf. Lc 22, 15-20). Assim como Se deu a eles naquela ocasião, dá-Se a nós em cada Santa Missa, com uma vontade de visitar-nos maior do que o nosso desejo de recebê-Lo. Como, pois, não aproveitarmos esses instantes de intimidade nos quais temos Deus presente, de fato, em nosso coração?
Cf. SÃO LEONARDO DE PORTO-MAURÍCIO, . Raccolta delle Opere Sacro- -Moral. Venezia: Giuseppe Antonelli, 1840, v.VII, p.14.
2 Cf. MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie Louis. La communion. In: Conférences de Notre-Dame de Paris. Carême 1884. Paris: L’Année Dominicaine, 1884, p.9.
3 BENTO XVI. Sacramentum Caritatis, n.1.

Texto extraído da Revista Arautos out 2013