Numa igreja de
Roma, em fins do século XVI, o sacerdote termina de celebrar a Missa e sai
apressadamente da sacristia. Anda pela rua a passos rápidos, impelido por
importantes ocupações de seu ministério. Não sem grande surpresa, percebe que
seus dois coroinhas, revestidos ainda de túnica e sobrepeliz o alcançam e se
põem a seu lado, portando cada qual uma vela acesa... Os transeuntes abrem
alas, com respeito, como para a passagem do Santíssimo Sacramento.
— O que estão
fazendo? — pergunta aos jovens.
— O padre
Filipe nos mandou seguir o senhor!
O ministro de
Deus logo compreende sua falta. Recolhido e contrito, retorna à igreja para
fazer a ação de graças, sempre seguido pelos coroinhas com suas velas acesas,
que indicavam a todos a presença da Sagrada Eucaristia...1
Deste modo
inequívoco, com traços de amabilidade, o fundador da Congregação do Oratório,
São Filipe Neri, procurava advertir seus padres da suma importância de fazer
com respeitoso recolhimento a ação de graças após a Sagrada Comunhão.
Ora, o que o
Santo florentino via e lamentava em sua época, vemo-lo também nós, mutatis
mutandis, no século XXI: muitas vezes, até mesmo pessoas bem intencionadas
descuram o período de ação de graças, não dando a devida importância às
Sagradas Espécies que acabam de receber.
É o próprio Cristo que recebemos
Para melhor
compreendermos a inefável graça que recebemos ao comungar, é imprescindível
lembrarmos de que é o próprio Deus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, que penetra
no nosso interior. A Sagrada Hóstia que o sacerdote nos entrega em nada se
diferencia das que adoramos no tabernáculo ou no ostensório. Por isso, alguns
teólogos não hesitam em afirmar que poderíamos nos ajoelhar diante de quem
acabou de comungar, como o fazemos diante do sacrário, uma vez que Deus está
realmente presente tanto num quanto no outro.2
Recordando
esta verdade, o Papa Bento XVI inicia sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Sacramentum Caritatis dizendo: “Sacramento da caridade, a Santíssima Eucaristia
é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de
Deus por cada homem”.3 Mais adiante, no mesmo documento, nos aconselha que “não
seja transcurado o tempo precioso de ação de graças depois da Comunhão”,4 e
salienta a conveniência de permanecermos recolhidos em silêncio durante esta.
Na Última
Ceia, Cristo declarou aos Apóstolos que havia desejado ardentemente dar-lhes
seu Corpo e seu Sangue como alimento espiritual (cf. Lc 22, 15-20). Assim como
Se deu a eles naquela ocasião, dá-Se a nós em cada Santa Missa, com uma vontade
de visitar-nos maior do que o nosso desejo de recebê-Lo. Como, pois, não
aproveitarmos esses instantes de intimidade nos quais temos Deus presente, de fato,
em nosso coração?
Cf. SÃO LEONARDO DE
PORTO-MAURÍCIO, . Raccolta delle Opere Sacro- -Moral. Venezia: Giuseppe Antonelli,
1840, v.VII, p.14.
2 Cf. MONSABRÉ, OP,
Jacques-Marie Louis. La communion. In: Conférences de Notre-Dame de Paris.
Carême 1884. Paris: L’Année Dominicaine, 1884, p.9.
3 BENTO XVI. Sacramentum Caritatis,
n.1.
Texto extraído da Revista Arautos out 2013