domingo, 28 de maio de 2017

Pequenos heróis da Eucaristia

Era o primeiro dia da novena a Santo Anselmo, Bispo da Cantuária e grande Doutor da Igreja, cuja festa se celebra em 21 de abril. A matriz do povoado encontrava-se repleta de aldeões que juntos rezavam ao seu padroeiro:
   — Santo Anselmo, intercedei por nós!
   As orações, intercaladas por piedosas melodias, ecoavam no interior do templo, fazendo estremecer o coração dos fiéis. Entre eles havia três crianças que tudo acompanhavam com enorme fervor, enquanto se encomendavam ao santo Bispo, pedindo-lhe a graça que mais almejavam: fazer a Primeira Comunhão. Eram eles: Leonardo, de sete anos, Filipe, de seis, e sua prima Beatriz, também com sete anos.
   Na véspera da solenidade, a novena seria mais cedo, para dar tempo à procissão de percorrer todo o vilarejo. Os pequenos saíram ligeiros do colégio a fim de tomar um lanche rápido no parque, antes de seguir para a matriz. Enquanto merendavam, Beatriz viu umas flores muito bonitas e quis colher algumas para levar à cerimônia.
   Ao aproximar-se, observou quatro homens estranhos escondidos entre os arbustos. Falavam ­baixo, olhavam ao redor, temerosos de estarem sendo observados, e soltavam abafadas e sinistras gargalhadas. A menina, então, escutou uma voz grave e rouca dizer:
   — Esse tal de Anselmo é uma lorota inventada pelo pároco! E a Eucaristia, uma mentira maior ainda. Quando encontrem amanhã a igreja arrombada, saberão que nada disso existe!…
   — Não vai sobrar nem uma Hóstia para eles comemorarem seu padroeiro! Vamos levar embora tudo o que estiver no sacrário – continuava outro.
   — Deixem de bobagens! – interveio o mais velho – Ao invés de ficarem com comentários idiotas, combinemos a que horas vai começar a “festa”.
   Depois de uma breve discussão, alguém disse:
   — Uma da madrugada! Neste horário estarão todos dormindo…
   Os larápios concordaram e desapareceram. Beatriz estava imóvel, assustadíssima com o que acabara de ouvir. Ao certificar-se de que estava só, correu para contar tudo aos primos.
Filipe não resistiu:
   — Defendamos a Nosso Senhor Jesus Cristo! Seremos heróis da Eucaristia!
   Leonardo, porém, era mais cauteloso:
   — Não podemos fazer loucuras! Temos de avisar a alguém mais velho. Não seria melhor falar com nossos pais?
   — Leonardo, você não percebe? É uma oportunidade única para nós! Se defendermos o Santíssimo Sacramento desses malvados, o pároco nos deixará fazer logo a Primeira Comunhão! – retorquiu Filipe.
   — Não, não, Filipe! – disse Beatriz – Não temos condições. O que são três criancinhas diante de bandidos assim?
Filipe exclamou indignado:
   — Com Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora do nosso lado, além de Santo Anselmo, podemos fazer tudo! Como vocês podem duvidar?
   Leonardo e Beatriz abaixaram a cabeça envergonhados… Por fim, Leonardo quebrou o silêncio:
   — Já sei! Façamos um exército de crianças. Reunamos os nossos colegas que ainda não fizeram a Primeira Comunhão e defendamos juntos Nosso Senhor!
   Após a unânime aceitação da proposta, correram até a matriz, onde o povo já estava formado para iniciar o cortejo. A toda pressa, começaram a convocar, um por um, os integrantes do futuro “exército mirim”, chegando ao número de dezesseis. Todos ficaram cheios de contentamento por tão inusitada incumbência!
   — Que graça formidável Santo Anselmo nos concede! – exclamava um.
   — Defenderemos o próprio Deus! – comentava outro.
   Uma das meninas mais novas que ali estavam, Sofia, de apenas cinco anos, advertiu com voz decidida:
   — Mas, amigos, preparemo-nos! Pode ser que Nosso Senhor nos queira mártires!
Aquelas inocentes crianças não se preocuparam em conseguir algum instrumento para se defender…
   Ao ouvirem tais palavras, os outros quinze se admiraram! Em suas mentes só viera a ideia de defender Nosso Senhor Jesus Cristo, contudo não pararam para pensar que poderiam vir a entregar suas vidas por Ele… Diante desta perspectiva, encheram-se de maior ânimo, enlevados com a possibilidade de naquela noite voarem para os Céus!
   Acabada a procissão, as crianças se congregaram para rezar diante do tabernáculo, a fim de pedir forças e graças para o cumprimento da missão. Os pais e conhecidos observavam curiosos, sem, todavia, nada lhes perguntar.
   À meia-noite, saíram de casa escondidos, pé ante pé, pedindo aos seus Anjos da Guarda que ninguém os visse, e se encontraram a dois quarteirões da igreja, para juntos se dirigirem até lá.
Filipe e Sofia, os menorzinhos do grupo, adentraram no templo por uma janela semicerrada e abriram a porta da sacristia. Depois que o “exército” entrou, passaram de novo a trave e ficaram esperando os criminosos, rezando diante do sacrário iluminado apenas pela lamparina.
   À uma e dez da madrugada escutaram um ruído vindo da lateral direita. Com suas ferramentas de assalto os bandidos arrombaram a porta e invadiram o santuário. Não viram ninguém, pois os pequenos “soldados” ficaram agachados atrás do altar. Aquele infantil e valente “batalhão” estava com o coração batendo aceleradamente. Alguns pensavam que logo seriam mortos e sentiam-se já habitando no Paraíso!
   Quando os patifes se acercaram do altar, todos pularam em cima deles. As almas inocentes daquelas crianças nem se preocuparam em conseguir algum instrumento para se defender… Tudo o que tinham era a fé em Nosso Senhor e na intercessão de sua Mãe Santíssima, como também na de Santo Anselmo.

   Os facínoras estremeceram ao se depararem com tanta ousadia! Tomados pela surpresa e pela raiva, começaram a espancar suas inocentes vítimas, mas o ruído e os gritos despertaram o sacristão, que acendeu as luzes da igreja, fazendo com que os bandidos fugissem espavoridos, sendo capturados pela polícia.
   Várias crianças ficaram muito machucadas. Sofia, a mais atingida, teve de ser levada às pressas para a casa do médico, onde passou por dolorosos curativos. Dir-se-ia que a tragédia tinha se debruçado sobre elas e sobre suas famílias.
   Entretanto, não foi bem assim… A festa de Santo Anselmo nunca foi tão alegre como naquele ano, pois o heroísmo das crianças despertara o entusiasmo dos fiéis. Durante a Missa, elas ocuparam os primeiros bancos, adornadas com faixas e curativos, que mais pareciam gloriosas condecorações!
   E no fim da celebração, antes de dar a bênção final, o pároco anunciou-lhes, como prêmio, a tão esperada notícia: por terem dado mostras de tanta devoção e ardor eucarístico, os pequenos heróis receberiam a Primeira Comunhão tão logo se restabelecessem.

Revista Arautos do Evangelho, Abril 2017

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Por que se usa a cor verde no Tempo Comum?


Até a Quarta-Feira de Cinzas está sendo celebrado o Tempo Comum da Liturgia, durante o qual são usados paramentos de cor verde. No início do ano, Tempo do Natal, eles foram brancos, e na Quaresma passarão a ser de cor roxa. Qual a razão dessa variedade?
Se remontarmos aos primeiros séculos da Igreja, encontraremos apenas tonalidades brancas, pois os presbíteros presidiam as celebrações revestidos com túnicas de lã ou linho sem tingimento, que lembravam a Cristo, o Cordeiro de Deus. Mas, a partir do século VII, as cores dos paramentos começaram a variar. Baseando-se sobretudo nas descrições feitas no Livro do Cântico dos Cânticos, associavam-se certas tonalidades a determinadas festas. Seu uso, porém, diferia conforme a região.
Em 1195, o Cardeal Lotário, futuro Papa Inocêncio III, publicou um tratado sobre a Santa Missa intitulado De sacrosancti altaris mysterio, no qual são descritos os costumes adotados pela Igreja de Roma em relação às cores litúrgicas. Ao ser ele eleito Pontífice, esses costumes foram se expandindo por todo o Ocidente. As cores branca, vermelha e preta — mais tarde substituída pelo roxo — começaram a ser usadas de acordo com critérios quase universais.
Entretanto, será em 1570, durante o pontificado de São Pio V, que a Igreja vai estabelecer oficialmente as cores litúrgicas para o Rito Romano. Para o Tempo Comum foi escolhida a cor verde, cujo nome provém do latim viridis, que significa fresco, florescente. Com frequência associada à ideia de esperança, esta cor simboliza o desenvolvimento normal da vida litúrgica que floresce de modo especial nos tempos fortes e produz os frutos das grandes festas e solenidades.

Revista Arautos do Evangelho – fev 2016

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Como confessar-se bem?

Instituindo o Sacramento da Reconciliação, Jesus Cristo manifestou claramente o modo como quer perdoar os pecados dos homens. Quais são as condições para nos beneficiarmos de sua incomensurável misericórdia?
Pe. Carlos Adriano Santos dos Reis, EP
Era uma quinta-feira ensolarada e úmida na capital paulistana, perto do fim do ano. A Catedral da Sé abriu suas portas para os fiéis já cedo, como de costume. Às nove horas começavam alguns padres a caminhar pelos corredores laterais do grande edifício em direção aos confessionários, diante dos quais vários fiéis aguardavam a chegada do sacerdote.
- Para que essas filas dentro da Igreja? - perguntou a um deles um curioso observador.
- Estamos esperando para nos confessarmos.
- Como assim?
- Essa fila é para a Confissão, para que o padre nos atenda. Você é católico?
- Sim... Faz tempo que ouvi falar disso. Somente na minha Primeira Comunhão. Como é mesmo?
- A Confissão é para Deus perdoar nossos pecados. Ajoelhamos ali no confessionário, junto ao padre, e ele perdoa em nome de Deus.
- Ah! E... Deus perdoa mesmo?
- Sim, claro, desde que haja arrependimento.
- Já fiz tanta coisa errada na vida...