domingo, 4 de março de 2012

Por que guardar o domingo?

Pe Mauro Sérgio da Silva Izabel, EP

O costume de consagrar a Deus determinados dias é quase tão antigo como a humanidade. No entanto, em nossa época, vai-se introduzindo insensivelmente o hábito de não observar o descanso dominical. A supressão do dia reservado ao Senhor acaba prejudicando o próprio homem.


Como você sabe, caro leitor, as olimpíadas eram um ato de culto dos gregos aos deuses do Olimpo; os meses de junho e agosto têm esse nome por serem dedicados a dois “divinos e imortais” imperadores romanos; e os germanos davam aos dias da semana o nome de cada um de seus deuses.

Esses povos desconheciam a existência do verdadeiro Deus, mas algo os levava a homenagear, a venerar e entregar-se a um ser superior a eles. E quem percorrer a história das nações comprovará amplamente que o homem procurou sempre, de uma forma ou de outra, prestar a Deus um culto externo, pois o ser humano sente em si a necessidade de se purificar, de se recolher, de se renunciar. Sentimentos estes que se traduzirão por instituições, práticas ascéticas, orações, cantos e, sobretudo, oferendas e sacrifícios.

Deus imprimiu em nossas almas a necessidade de adorá-Lo! Na prática, contudo, o homem não pode ocupar todo o seu tempo em atos externos de adoração. Assim, ele reserva determinados dias e ocasiões para prestar culto a Deus, como se comprova pelas tradições de todos os povos.

Conveniência do repouso

Por outro lado, é altamente conveniente e até indispensável que, de tempos em tempos, o homem se abstenha dos trabalhos, pois assim restabelece as forças físicas e se torna capaz de retomá-lo com maior proveito. Longe de representar um prejuízo para a produção, isso contribui eficazmente para qualificá-la. Proporciona também ocasião de cultivar a vida do espírito, sufocada pelas ocupações contínuas e absorventes, além de criar condições para um maior estreitamento dos laços familiares e de amizade.

Assim também nos ensina o próprio Senhor nosso Deus, o qual descansou após criar o universo, conforme canta a Liturgia das Horas, no II domingo do Tempo Comum:

“Terminando tão grande trabalho / decidistes entrar em repouso, / ensinando aos que cansam na luta / que o descanso é também dom precioso.”

Preceito divino

A essa carência natural da humanidade, Deus acrescentou um mandamento: “Guardarás o dia do sábado e o santificarás” (Dt 5, 12).

O repouso assume, dessa forma, um caráter sagrado, e fica claro que se deve dedicar especialmente um dia da semana ao culto divino. “O fiel é convidado a repousar não só como Deus repousou, mas a repousar no Senhor, atribuindo-Lhe toda a criação, no louvor, na ação de graças, na intimidade filial e na amizade esponsal” (1).

O fundamento desse preceito não era só o exemplo da criação, mas, sobretudo, a libertação efetuada por Deus, no Êxodo: “Recorda-te de que foste escravo no país do Egito, donde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão forte e braço poderoso. É por isso que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado” (Dt 5, 15).

O conteúdo do mandamento não é, pois, principalmente uma interrupção qualquer do trabalho, mas a celebração das maravilhas realizadas por Deus.

A nova Aliança

Com o advento de Cristo, iniciou-se a nova Aliança, na qual celebramos em realidade tudo quanto antes era figura. “Aquilo que Deus realizou na criação e o que fez pelo seu povo no Êxodo, encontrou na morte e ressurreição de Cristo o seu cumprimento” (2).
É Deus quem dá início à nova criação, fazendo “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21, 1), na qual o firmamento é a fé em Cristo, e a terra um coração puro que produz frutos em abundância. E obra muito maior do que libertar da escravidão o povo eleito foi a de arrancar-nos das trevas do pecado e nos conduzir à Terra Prometida verdadeira e eterna.
Tudo isto se consumou quando, três dias após sua morte, Jesus ressuscitou e apareceu aos seus discípulos “no primeiro dia da semana”, segundo o unânime testemunho dos Evangelistas. Sendo a Ressurreição o fato decisivo da missão redentora de Cristo — “Se Cristo não ressuscitou é vã nossa fé” (1 Cor 15, 14) — era lógico que nesse dia se fizesse sua rememoração perene.

O primeiro dia da semana tornou-se, pois, o “dia do Senhor”, ou seja, o domingo.

“Nesse dia devem os fiéis reunir-se para participar na Eucaristia e ouvir a palavra de Deus, e assim recordar a Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus que os ‘regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos’ (1 Pd 1, 3). O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso” (3).

A celebração do domingo

São abundantes os testemunhos da celebração do domingo na Igreja nascente. É fora de dúvida que, no início, a comunidade cristã teve de contentar-se em acrescentar a Eucaristia dominical à observância do sábado. Mas, no final do séc. I, a dissociação era já um fato consumado, e logo os cristãos fariam da santificação do domingo o sinal por excelência do seguidor de Cristo.

Um documento da época nos permite entrever como se celebrava a assembleia dos fiéis: “Reunidos no dia do Senhor, o domingo, parti o pão e dai graças, depois de ter confessado os vossos pecados, a fim de que vosso sacrifício seja puro. Todo aquele que tiver contenda com seu irmão, não se junte convosco até ter-se reconciliado, para que não se profane vosso sacrifício” (4).

Numa carta a Trajano, no ano 112, Plínio o moço, governador da Bitínia, declara que os cristãos detidos “afirmavam que seu crime se reduzia a ter o costume de, em dias determinados, reunir-se antes do raiar do sol e cantar um hino a Cristo como a Deus”.

A celebração do domingo começava na véspera, ao pôr-do-sol, e dividia-se em duas partes: uma à noite na qual se cantavam salmos, recitavam-se orações e liam-se trechos da Sagrada Escritura; no raiar da aurora tinha lugar a parte eucarística do culto. Da primeira parte resultaram as vigílias; a segunda leva regularmente o nome de “oblatio”, enquanto que “missa” era a despedida dos catecúmenos.

Constantino foi o primeiro imperador a proibir, por uma lei civil, os trabalhos servis no domingo. Essa proibição tornou-se depois lei vigente em todos os domínios do império de Carlos Magno.

Testemunho até o martírio

Nos tempos de Diocleciano e Maximiano, o paganismo declarou guerra aos cristãos: as autoridades pagãs exigiram que eles entregassem as Sagradas Escrituras para serem queimadas, mandaram destruir as basílicas consagradas ao Senhor e proibiram a celebração dos ritos sagrados e as reuniões de culto.

Vários cristãos renegaram assim a fé, mas muitíssimos outros confirmaram com seu próprio sangue o caráter sagrado do dia do Senhor.

Na cidade de Abitinas, ao celebrarem, segundo o costume, os mistérios do Senhor, 45 fiéis foram detidos, algemados e enviados para Cartago. Alegres e jubilosos, não cessavam, durante todo o trajeto, de cantar hinos em louvor ao Senhor. Compareceram um a um ao tribunal, diante do procônsul.

— Agiste contra a proibição dos imperadores, reunindo a todos estes? — perguntou ele ao sacerdote Saturnino.

— Celebramos tranquilamente o dia do Senhor, porque sua celebração não pode ser interrompida.

Após esta resposta, o santo sacerdote foi submetido a indizíveis tormentos, e resistiu até a morte. Logo depois foi chamado o dono da casa em que se haviam reunido:

— Em tua casa fizeram-se reuniões de culto contra os preceitos dos imperadores? — inquiriu o magistrado.

— Sim, em minha casa celebramos os mistérios do Senhor.

— Por que lhes permitiste entrar? Era teu dever impedi-los.

— Não podia impedi-los, pois são meus irmãos, e nós não podemos viver sem celebrar os mistérios do Senhor.

Teve, então, o mesmo destino de Saturnino.

Não podia o sexo frágil ver-se privado da glória de tão grande combate. Todas as mulheres do grupo alcançaram também a coroa do martírio. Não faltou nem mesmo a candura das crianças que proclamavam cheias de ufania:

— Sou cristão, e por própria vontade assisti à reunião junto com meus pais e meus irmãos.

Época conturbada da história da Igreja, mas na qual se viu brilhar como nunca a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

O domingo, hoje

Época tão diferente de nossos dias, nos quais se propaga por todos os lados a liberdade religiosa, mas a fé em Cristo, nosso Salvador, encontra-se como nunca apagada! Dar o sangue pelo dia do Senhor? Muitos não são capazes sequer de levantar-se uma hora mais cedo, cancelar um programa de televisão ou mesmo enfrentar a chuva para assistir à Missa dominical!

A violência daqueles tempos também difere muito dos dias atuais. Entretanto, como explicar a felicidade na qual os mártires viviam, e o homem contemporâneo não consegue alcançar?

A explicação é fácil: os primeiros cristãos tinham a Deus como centro de sua vida e se revigoravam todo domingo no banquete eucarístico. Por isso, por mais ferozes que fossem as perseguições, encontravam forças para suportá-las, pois levavam Cristo dentro de si.

Diante das dificuldades que se apresentam hoje aos católicos do mundo inteiro — imersos num ambiente marcado por crises morais, financeiras, familiares e, sobretudo, espirituais — é indispensável nutrir-se todo domingo d’Aquele divino Amigo que nos recomenda: “Vinde a Mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados pelo peso de vossos fardos, e Eu vos aliviarei” (Mt 11, 28).

A isso nos estimula o Papa Bento XVI: “Participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão Eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos e irmãs em Cristo é uma necessidade para o cristão, é uma alegria, e assim ele pode encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas” (5).
Renovados por esse santo Sacramento, alcançaremos nosso fim e cumpriremos nossa missão nesta terra, até chegarmos ao domingo sem ocaso de uma vida com Deus.

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