— Que é que tendes, meu
Pai?
Respondeu o Senhor:
— Olha lá no fundo. Lá em
baixo: Vês naquela vila, numa das últimas casas, aquela grande e bela oficina
de ferrador?
— Vejo sim, Senhor.
— Pois bem. Lá está uma
criatura que eu quisera salvar. Chama-se Elígio. É sem dúvida um homem bom,
obediente às minhas leis, caridoso com os pobres, pronto para servir a todos.
Da manhã até à meia-noite ele está sempre aplicado ao trabalho, sem que jamais
escape de sua boca uma blasfêmia ou uma palavra suja. Parece-me mesmo digno de
tornar-se um grande santo.
Jesus perguntou:
— E o que é que o impede
de ser esse grande santo?
— É o orgulho dele, meu
Filho. É um artífice de primeiríssima ordem, mas está convencido de que não há
no mundo quem seja capaz de superá-lo. E tu sabes que presunção significa
perdição.
— Meu Pai, se consentis
que eu desça à terra, tentarei a conversão dele.
— Pois então vá, meu Filho.
Converta-o.
E Jesus desceu à terra.
Vestiu uma roupa de aprendiz de ferreiro, pôs nos ombros uma caixa de
ferramentas, e sem mais, o divino operário pôs-se a caminho da oficina do
Mestre Elígio. À entrada lia-se: "Ferrador Elígio, mestre dos mestres.
Quase sem fogo bate qualquer ferradura".
O jovem aprendiz chegou
até à porta, e descobrindo a cabeça, exclamou:
— Bom dia, mestre! Bom
dia a todos. Se precisam de um ajudante de ferreiro, aqui o tendes.
— Por enquanto, não preciso—
respondeu Elígio.
— Então adeus, mestre.
Ficará para outra vez.
E Jesus continuou o seu
caminho pelo povoado. Logo adiante, topou com um magote de gente em outra
oficina e disse a eles:
— Não pensei que numa
oficina, onde deveria haver muito trabalho, recusassem meu serviço.
— Escuta, meu bom rapaz —
disse o chefe do grupo: — Ao chegar lá, como foi que você saudou o Mestre
Elígio?
— Ora, eu saudei como se
saúda a todos, dizendo: Bom dia, mestre, e a todos que lá trabalham.
— Não, meu caro. Não era
esse o modo de saudá-lo. Você precisava chamá-lo de mestre dos mestres. Não viu o que está
escrito sobre a porta?
— É verdade — disse Jesus.
— Vou tentar novamente. Voltou à oficina e disse:
— Senhor Elígio, mestre
dos mestres, o senhor precisa de um
ajudante?
— Claro que preciso.
Entre. Há trabalho para você também. Mas lembre-se bem do que lhe digo uma vez
por todas. Quando você me saudar, deve chamar-me mestre dos mestres. Não é por
orgulhar-me, mas em toda a terra não se encontram homens como eu, que com duas
escaldaduras batem qualquer ferradura,.
— Na minha terra bate-se a
ferradura com uma escaldadura apenas.
— Com uma só? Ah! meu
rapaz, não venhas contar-me lorotas.
— Pois bem, eu lhe mostrarei
se digo ou não a verdade, senhor mestre de todos os mestres.
E Jesus tomou um pedaço
de ferro, atirou-o ao fogo, soprou e atiçou as brasas. Quando o ferro estava em
brasa, dispôs-se a pegá-lo com a mão.
— Pobre tonto! —
gritou-lhe um dos presentes — tu queres te queimar?
— Não tenhais medo —
replicou Jesus. — Graças a Deus, em nosso país não precisamos de tenazes.
Tomou com uma das mãos o
ferro em brasa, colocou-o sobre a bigorna, e com o seu martelo bateu-o,
deixando-o tão perfeito como ninguém fizera até então.
Mestre Elígio
disse: — Basta que eu queira, e sou capaz de fazer o mesmo.
E de fato tomou uma pedaço
de ferro, lançou-o na forja, soprou e atiçou o fogo. Quando o ferro estava bem
vermelho, quis pegá-lo para levar à bigorna, mas queimaram-lhe os dedos. Quis
fazê-lo depressa e resistir à dor, mas foi obrigado a largar o ferro e recorrer
às tenazes. Entretanto, o ferro esfriou. O pobre Mestre Elígio fez força,
bateu, suou, mas não conseguiu fazer o que fizera o rapaz.
— Escutem — diz o rapaz —
parece-me que ouço o andar de um cavalo.
Mestre Elígio correu à
porta e viu um cavaleiro que parou diante da oficina. Ora, convém saber que
aquele cavaleiro era São Martinho. Ele cumprimentou e disse:
— Venho de muito longe, e
o meu ginete perdeu um par de ferraduras. Preciso encontrar um ferrador.
Mestre Elígio, todo
orgulhoso, assim lhe falou:
— Melhor do que aqui não
encontrareis, senhor cavaleiro. Estais diante do melhor ferrador daqui e de
toda a França. Pode-se dizer com verdade que ele é o mestre dos mestres. Rapaz,
segura um pouco a pata do cavalo.
— Segurar a pata do
cavalo? — observou Jesus. — Em nossa terra isso não é necessário.
— Esta agora é boa! —
gritou mestre Elígio. — Como fazeis para ferrar um cavalo sem segurar a pata?
O rapaz tomou o puxavante
(instrumento para aparar o casco do cavalo), aproximou-se do animal, e com um
golpe lhe cortou o casco, levou-o à oficina e apertou-o no torno. Depois limou
o casco, aplicou-lhe a ferradura nova que acabara de bater, e com o martelo
meteu-lhe os cravos. Em seguida desapertou o torno, levou o casco ao cavalo e
adaptou-o bem. Fazendo um sinal da cruz, disse:
— Meu Deus, fazei que o
sangue estanque.
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E a pata do cavalo
estava pronta, ferrada e segura, como jamais se vira igual. Enquanto o primeiro
aprendiz arregalava os olhos, Mestre Elígio exclamou:
— Caramba! O mesmo eu hei
de fazer também.
E pôs mãos à obra. Armado
do puxavante , cortou o casco (o pé) do animal. Levou-o para dentro da oficina,
apertou-o no torno e meteu-lhe os cravos, tudo como fizera o rapaz. Depois — e
aqui está o mais difícil — devendo colocar o pé no lugar, aproximou-se do
animal e ajustou-o à perna do melhor modo que pôde. Mas... o sangue escorria, e
o pé caiu no chão.
Agora a alma soberba de
Mestre Elígio se achava confundida. Entrou na oficina, para ajoelhar-se aos pés
do jovem, mas este desaparecera, como desapareceram o cavalo e o cavaleiro. O
pranto inundou o coração do Mestre Elígio. Reconhecera que acima dele, pobre
mortal, havia outro Mestre que era inimitável. Tirou o avental de couro,
abandonou a oficina e pôs-se a percorrer o mundo, anunciando a palavra de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
(Fonte: Pe. Francisco
Alves, C.SS.R., "Tesouro de Exemplos" - Vozes,
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