Edgard levantou-se muito contente naquela manhã. Seu novo barco de pesca, recém-saído do estaleiro, prometia-lhe um proveitoso dia de trabalho. E o tempo estava perfeito para essa estreia. O céu amanhecera azul, com algumas nuvens, é verdade, mas estas acabariam por dar-lhe um pouco de proteção contra o Sol. As redes estavam limpas e bem dobradas. O delicioso aroma do café da manhã, cuidadosamente preparado por Adelaide, sua esposa, convidava-o a se apressar.
Saiu de casa logo depois da refeição matinal. Enquanto se afastava rumo à praia, via Luísa e Marcelo, que davam adeus ao pai, ufano de seu barco novo. Esperava regressar com muitos peixes e fazer bom negócio na feira semanal do dia seguinte, à qual afluía gente de toda a vizinhança.
Fazendo o sinal-da-cruz e beijando sua medalha da Virgem do Carmo, da qual nunca se separava, Edgard levantou âncora e zarpou. Assobiava contente, enquanto manejava com destreza o timão de seu pesqueiro.

Lançou as redes. Curioso... Não havia peixes...
— Que estará acontecendo? — perguntou ele, falando sozinho.
O mar logo lhe deu uma resposta: as águas começaram a se mover com mais força, as nuvens espessas se avolumaram rapidamente, escurecendo o céu. Nunca ele vira uma tempestade armar-se tão de repente!
— É por isso que não havia peixes!... — disse para si mesmo.
Marujo destemido e experiente, Edgard não se alarmou. Acionou o motor e tentou dirigir o barco de volta à praia. Porém este não obedecia mais aos movimentos do timão, as ondas cada vez mais fortes o arrastavam em sentido contrário. Nesse momento, viu passar pouco além seu amigo Luís, pescador também, que avançava penosamente rumo à terra firme e lhe gritava:
— Edgard! Meia volta! A tempestade vai ser tremenda...
Quase não conseguia ouvir... O vento estava muito forte. Usou toda a sua perícia para tomar a direção certa, mas inutilmente: o barco vogava como se não tivesse leme e a correnteza o afastava mais e mais da terra firme. Uma chuva torrencial veio agravar ainda mais a situação.
Na iminência de uma tragédia inevitável, Edgard se encomendou à Virgem Santíssima. Nada mais podia fazer, senão rezar. Batido por uma grande onda, o barco girou violentamente, Edgard sentiu um forte golpe e caiu sem sentidos.
Quando voltou a si, encontrava-se numa praia. Estava meio tonto, latejava-lhe a cabeça, doía-lhe todo o corpo. Com muito custo pôs-se de pé, olhou ao redor e pareceu-lhe estar em alguma ilha desconhecida. De seu barco, viu apenas alguns destroços espalhados pela praia.
A quem pedir ajuda? Só lhe restava recorrer ao Céu. Tirou do pescoço sua medalha da Virgem do Carmo, ajoelhou-se e rezou fervorosamente.
Depois dessa oração, sentiu revigorarem-se suas forças. Caía a tarde. Recolheu o que restava do barco e fez uma cabaninha, cobrindo-a com folhas de palmeira, para proteger-se do frio durante a noite.
Na manhã seguinte, foi despertado pelo ruído de um bando de alegres gaivotas que pescavam. Sentia muita fome e não havia nada para comer. Resolveu explorar “sua” ilha à procura de frutas.
Andou, andou, andou... Não achou nada que levar à boca, mas reconheceu o local onde se encontrava: era uma ilha rochosa e desértica, que não estava na rota de nenhum barco pesqueiro, muito menos de algum navio.
O Sol estava mais alto no céu e a fome aumentava! Decidiu pescar. Encontrou entre os escombros do barco um pedaço de linha e outro de arame com os quais improvisou um anzol, e pronto... o restante era questão de habilidade. Com isso e alguns moluscos servindo de isca, não lhe foi difícil arrastar quatro peixes para a terra firme.
Após várias tentativas fracassadas, conseguiu fazer fogo junto à cabana, em um dos lados protegido do vento. Assou dois peixes grandes, temperados com o sal do mar. Pareceram-lhe deliciosos, melhores, até, que os que sua esposa, Adelaide, preparava tão bem.
Depois de saciada a fome, resolveu explorar o outro lado da ilha. Quem sabe se avistaria algum barco...
Caminhou muito, subiu e desceu rochedos, mas a certa altura sentiu um forte cheiro de queimado. Cheio de desconfiança pelo que estaria acontecendo, correu aflito de volta à praia. Lá chegando, viu a cabana toda queimada e uma coluna de fumaça que subia de um monte de folhas secas atingidas pelas chamas.
Edgard, que até então se mantivera forte, não aguentou mais. Sentou-se na areia, com a cabeça entre as mãos, e não conseguiu conter o desânimo e as lágrimas. Havia pedido ajuda aos Céus e Deus parecia tê-lo abandonado!
Por fim, cansado de toda a tensão daquele dia, adormeceu ali mesmo na praia, sob o Sol inclemente da tarde. Quanto tempo dormiu, ninguém sabe. Foi acordado por alguém que lhe tocava o braço e o chamava:
— Edgard!
Era Luís, seu amigo pescador. Levantando-se de um salto, Edgard o abraçou e disse:
— Luís! Como chegou até aqui? Esta ilha não é rota de barcos...
— Depois que passou a tempestade, lancei-me de novo ao mar, decidido a encontrá-lo. Procurei sem resultado por todos os nossos rincões conhecidos, e já estava voltando, pois a tarde está chegando ao fim e no escuro seria impossível prosseguir a busca. Inesperadamente, vi uma coluninha de fumaça subindo por detrás desses rochedos. Deixei o barco ancorado e vim a nado, pois não é possível navegar por entre essas pedras. Vamos, homem, dentro em pouco será noite, e sua família o espera!
No percurso de volta a casa, Edgard meditava com profunda gratidão sobre a maneira pela qual a Virgem Santíssima levara até Deus suas preces: aquele incêndio, que lhe parecera a desgraça completa, havia salvado sua vida!
* * *
Às vezes, Deus age assim conosco, parecendo ter Se esquecido de nós. Mas Ele permite a aparente derrota, ou mesmo a desgraça, para daí tirar um bem maior. Portanto, ainda que não entendamos, confiemos, pois Ele nunca nos abandona! Há males que vêm para bem!
Nenhum comentário:
Postar um comentário