quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Um incêndio providencial

Edgard levantou-se muito contente naquela manhã. Seu novo barco de pesca, recém-saído do estaleiro, prometia-lhe um proveitoso dia de trabalho. E o tempo estava perfeito para essa estreia. O céu amanhecera azul, com algumas nuvens, é verdade, mas estas acabariam por dar-lhe um pouco de proteção contra o Sol. As redes estavam limpas e bem dobradas. O delicioso aroma do café da manhã, cuidadosamente preparado por Adelaide, sua esposa, convidava-o a se apressar.
Saiu de casa logo depois da refeição matinal. Enquanto se afastava rumo à praia, via Luísa e Marcelo, que davam adeus ao pai, ufano de seu barco novo. Esperava regressar com muitos peixes e fazer bom negócio na feira semanal do dia seguinte, à qual afluía gente de toda a vizinhança.
Fazendo o sinal-da-cruz e beijando sua medalha da Virgem do Carmo, da qual nunca se separava, Edgard levantou âncora e zarpou. Assobiava contente, enquanto manejava com destreza o timão de seu pesqueiro.
Não demorou a entrar numa zona bem conhecida pela quantidade de peixes. Mas... coisa estranha! Não encontrou ali nenhum de seus amigos pescadores. Por mais que procurasse, não via um barco sequer. Desconfiando de alguma surpresa desagradável, perscrutou o céu em todas as direções. O tempo continuava firme, com algumas nuvens espessas apenas. Não lhe pareceu haver sinal de chuva.
Lançou as redes. Curioso... Não havia peixes...
— Que estará acontecendo? — perguntou ele, falando sozinho.
O mar logo lhe deu uma resposta: as águas começaram a se mover com mais força, as nuvens espessas se avolumaram rapidamente, escurecendo o céu. Nunca ele vira uma tempestade armar-se tão de repente!
— É por isso que não havia peixes!... — disse para si mesmo.
Marujo destemido e experiente, Edgard não se alarmou. Acionou o motor e tentou dirigir o barco de volta à praia. Porém este não obedecia mais aos movimentos do timão, as ondas cada vez mais fortes o arrastavam em sentido contrário. Nesse momento, viu passar pouco além seu amigo Luís, pescador também, que avançava penosamente rumo à terra firme e lhe gritava:
— Edgard! Meia volta! A tempestade vai ser tremenda...
Quase não conseguia ouvir... O vento estava muito forte. Usou toda a sua perícia para tomar a direção certa, mas inutilmente: o barco vogava como se não tivesse leme e a correnteza o afastava mais e mais da terra firme. Uma chuva torrencial veio agravar ainda mais a situação.
Na iminência de uma tragédia inevitável, Edgard se encomendou à Virgem Santíssima. Nada mais podia fazer, senão rezar. Batido por uma grande onda, o barco girou violentamente, Edgard sentiu um forte golpe e caiu sem sentidos.
Quando voltou a si, encontrava-se numa praia. Estava meio tonto, latejava-lhe a cabeça, doía-lhe todo o corpo. Com muito custo pôs-se de pé, olhou ao redor e pareceu-lhe estar em alguma ilha desconhecida. De seu barco, viu apenas alguns destroços espalhados pela praia.
A quem pedir ajuda? Só lhe restava recorrer ao Céu. Tirou do pescoço sua medalha da Virgem do Carmo, ajoelhou-se e rezou fervorosamente.
Depois dessa oração, sentiu revigorarem-se suas forças. Caía a tarde. Recolheu o que restava do barco e fez uma cabaninha, cobrindo-a com folhas de palmeira, para proteger-se do frio durante a noite.
Na manhã seguinte, foi despertado pelo ruído de um bando de alegres gaivotas que pescavam. Sentia muita fome e não havia nada para comer. Resolveu explorar “sua” ilha à procura de frutas.
Andou, andou, andou... Não achou nada que levar à boca, mas reconheceu o local onde se encontrava: era uma ilha rochosa e desértica, que não estava na rota de nenhum barco pesqueiro, muito menos de algum navio.
O Sol estava mais alto no céu e a fome aumentava! Decidiu pescar. Encontrou entre os escombros do barco um pedaço de linha e outro de arame com os quais improvisou um anzol, e pronto... o restante era questão de habilidade. Com isso e alguns moluscos servindo de isca, não lhe foi difícil arrastar quatro peixes para a terra firme.
Após várias tentativas fracassadas, conseguiu fazer fogo junto à cabana, em um dos lados protegido do vento. Assou dois peixes grandes, temperados com o sal do mar. Pareceram-lhe deliciosos, melhores, até, que os que sua esposa, Adelaide, preparava tão bem.
Depois de saciada a fome, resolveu explorar o outro lado da ilha. Quem sabe se avistaria algum barco...
Caminhou muito, subiu e desceu rochedos, mas a certa altura sentiu um forte cheiro de queimado. Cheio de desconfiança pelo que estaria acontecendo, correu aflito de volta à praia. Lá chegando, viu a cabana toda queimada e uma coluna de fumaça que subia de um monte de folhas secas atingidas pelas chamas.
Edgard, que até então se mantivera forte, não aguentou mais. Sentou-se na areia, com a cabeça entre as mãos, e não conseguiu conter o desânimo e as lágrimas. Havia pedido ajuda aos Céus e Deus parecia tê-lo abandonado!
Por fim, cansado de toda a tensão daquele dia, adormeceu ali mesmo na praia, sob o Sol inclemente da tarde. Quanto tempo dormiu, ninguém sabe. Foi acordado por alguém que lhe tocava o braço e o chamava:
— Edgard!
Era Luís, seu amigo pescador. Levantando-se de um salto, Edgard o abraçou e disse:
— Luís! Como chegou até aqui? Esta ilha não é rota de barcos...
— Depois que passou a tempestade, lancei-me de novo ao mar, decidido a encontrá-lo. Procurei sem resultado por todos os nossos rincões conhecidos, e já estava voltando, pois a tarde está chegando ao fim e no escuro seria impossível prosseguir a busca. Inesperadamente, vi uma coluninha de fumaça subindo por detrás desses rochedos. Deixei o barco ancorado e vim a nado, pois não é possível navegar por entre essas pedras. Vamos, homem, dentro em pouco será noite, e sua família o espera!
No percurso de volta a casa, Edgard meditava com profunda gratidão sobre a maneira pela qual a Virgem Santíssima levara até Deus suas preces: aquele incêndio, que lhe parecera a desgraça completa, havia salvado sua vida!
* * *
Às vezes, Deus age assim conosco, parecendo ter Se esquecido de nós. Mas Ele permite a aparente derrota, ou mesmo a desgraça, para daí tirar um bem maior. Portanto, ainda que não entendamos, confiemos, pois Ele nunca nos abandona! Há males que vêm para bem!

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