sexta-feira, 30 de março de 2012

O MILAGRE EUCARÍSTICO DE DOUAI


Um prodigioso fato presenciado por multidões de fiéis e relatado pelo Bispo de Cambrai, testemunha ocular.


Ano de 1267, domingo de Páscoa, entre 8 e 9 horas da manhã. Na cidade de Douai — norte da França, a meio caminho entre Amiens e Lille — o Pároco distribuía a Comunhão aos fiéis na igreja dos cônegos de Santo Amato.

De repente, sem saber como se dera o acidente, viu uma Hóstia no chão. Consternado, pôs-se logo de joelhos e estendeu a mão para recolher a sagrada Partícula. Mas eis que Ela, por si mesma, elevou-se da terra e foi colocar-se sobre o sanguinho (toalhinha de linho usada para enxugar o cálice da Missa). Enquanto seus olhos estavam piedosamente fixos na Santa Eucaristia, viu que ela se transformava em um encantador menino.

O celebrante deu um grito e chamou os Cônegos, os quais se encontravam no coro da igreja. Acorrendo à sua voz, estes perceberam, sobre a toalhinha sagrada, o menino cheio de vida. Os fiéis presentes foram chamados e todos, sem distinção, desfrutavam dessa celestial visão.

A aparição durou cerca de uma hora. Transcorrido esse tempo, desapareceu o Menino, restando sobre o altar a branca Hóstia consagrada. Então o Pároco encerrou-a no tabernáculo e cada um dos felizes assistentes saiu publicando o milagre pela cidade e suas redondezas.

A notícia chegou aos ouvidos do Bispo de Cambrai, Dom Tomás de Cantimpré, que se dirigiu logo a Douai. Chegando à casa do Deão dos Cônegos, do qual era muito conhecido, perguntou-lhe se ele também poderia ver a Hóstia milagrosa. De pronto, este concordou e acompanhou o Prelado à igreja. Em pouco tempo reuniu-se lá uma numerosa multidão de fiéis, convocados pelo toque do sino.

O que segue abaixo é reprodução exata do relato do próprio Bispo, testemunha ocular dos fatos.

Narração do Bispo de Cambrai

Abre-se o sacrário. O povo aproxima-se. Logo após ser aberto o cibório, cada um começa a exclamar:

— Aqui está, eu O vejo!

— Eis aqui o meu Salvador!

Eu estava de pé, tomado de admiração: eu não via senão a forma de uma Hóstia muito alva, e, entretanto, minha consciência não me reprovava por nenhuma falta que pudesse impedir-me de ver, como os demais presentes, o Corpo sagrado.

Mas este pensamento não me inquietou durante longo tempo, pois logo também eu vi distintamente a face de Nosso Senhor Jesus Cristo na plenitude de sua idade. Sobre sua cabeça estava uma coroa de espinhos, e da fronte corriam duas gotas de sangue que desciam sobre cada lado do rosto. Pus-me instantaneamente de joelhos e, em prantos, O adorei.

Quando me levantei, não percebi mais nem a coroa de espinhos nem as gotas de sangue, mas vi uma face de homem, venerável além de tudo quanto se possa imaginar. Ela estava voltada para a direita, de modo que mal se podia ver o olho direito. O nariz era longo e reto, as sobrancelhas arqueadas, os olhos baixos e dulcíssimos. Uma longa cabeleira descia sobre os ombros. A barba, que nunca havia sido cortada, ondulava debaixo do queixo, e, perto da boca, a qual era muito graciosa, ela se adelgaçava, deixando de cada lado do queixo dois pequenos espaços sem pêlo, como acontece ordinariamente aos homens jovens que deixam crescer a barba desde a adolescência. A fronte era larga, as faces magras, e a cabeça, junto com o longo pescoço, inclinava-se ligeiramente.

Eis aí o retrato, e tal era a beleza dessa dulcíssima face.

Durante uma hora, os presentes viam o Salvador debaixo de formas diferentes: uns O viam estendido sobre a Cruz; outros, como vindo para julgar os homens; outros, enfim, em maior número, viam-no sob a forma de um menino.

Um milagre repetido durante vários dias

Não restou, infelizmente, nenhum outro relato de testemunha ocular do milagre. Mas o autor dos “Anais de Flandres”, falecido em Lille no ano de 1626, informa que ele durou vários dias, renovando-se cada vez que a santa Hóstia era exposta. Todos quantos entravam na igreja presenciavam o prodígio.

E a miraculosa transfiguração continuava operando-se sob diferentes formas. Na opinião do Cônego Capelle, de Cambrai, mais provavelmente as almas puras contemplavam um Menino doce e gracioso; os pecadores viam Jesus crucificado; e aos hereges Nosso Senhor se mostrava com fisionomia de Juiz irritado.

Além do depoimento do Bispo de Cambrai, uma incontestável tradição atesta de forma categórica a veracidade desse fato milagroso. Em 1356 — um século após a aparição — celebrava-se já em Douai a festa do Santo Sacramento do Milagre, e o documento que a ela faz menção indica ser essa celebração um costume já antigo.

A Hóstia miraculosa, que recebeu as homenagens de tantas gerações de fiéis, foi conservada na igreja canonical de Santo Amato até a época da Revolução Francesa.

Em 1790 a basílica foi fechada e, três anos depois, entregue ao saque. Os vasos sagrados foram quebrados, e as relíquias lá existentes desde quase dez séculos foram consumidas pelas chamas. Alguns energúmenos atiraram-se contra o altar, quebraram o tabernáculo e abriram a teca de prata na qual se guardava a Hóstia do milagre. 

Deus, porém, não permitiu este último sacrilégio: ela estava vazia, mãos piedosas haviam posto a salvo o augusto Sacramento. 

terça-feira, 27 de março de 2012

O maravilhoso poder da água benta


Fazer devotamente o sinal-da-cruz com água benta traz incontáveis benefícios para o corpo e para a alma: afugenta os demônios, obtém o perdão dos pecados veniais, pode livrar-nos de acidentes e até curar doenças.

Afirmou-me um sacerdote amigo que inúmeros católicos, mesmo dos mais instruídos, não sabem para que serve a água benta. É pena! Por isso, não se beneficiam desse precioso instrumento instituído pela Igreja para ajudá-los em praticamente todas as circunstâncias e dificuldades da vida!

Para que serve?

Há várias formas de usá-la. A mais comum é persignar-se com ela. Outra é aspergi-la sobre si mesmo, sobre outras pessoas, lugares ou objetos. Qualquer leigo ou leiga pode fazer isto. Naturalmente, quando feito por um sacerdote tem mais peso.

Seu efeito mais importante é afastar o demônio. Este “ronda em torno de nós como o leão que ruge”, procurando fazer-nos toda espécie de mal, como nos adverte São Pedro (I Ped 5,8). Os espíritos malignos, cujas misteriosas e sinistras operações afetam às vezes até as atividades físicas do homem, querem, antes de tudo, induzir-nos ao pecado grave, que conduz ao inferno. Para isto empregam todos os recursos. Às vezes, por exemplo, provocam em nós um sem número de incômodos físicos ou psicológicos. Outras vezes provocam pequenos incidentes, em nosso dia-a-dia, criam atrapalhações que parecem ter causas meramente naturais.

Por exemplo, na hora de cumprir um dever, a pessoa sente um inexplicável mal-estar, um inesperado desânimo, uma estranha dor de cabeça... Em certas oportunidades, sem qualquer motivo, o marido fica repentinamente irritado contra a esposa, ou vice-versa, daí surge uma discussão e se quebra a paz do lar. Ou, então, o pai ou a mãe deixa-se levar por um movimento de impaciência e repreende duramente o filho, em vez de admoestá-lo com doçura. O filho se revolta, sai de casa. Está criado um problema!

Tudo isso pode ser evitado afugentando o demônio com um simples sinal-dacruz, feito com água benta. Quando você sentir uma irritação estranha, faça essa experiência, e preste atenção no efeito salutar que produz! Logo lhe voltará a serenidade.

Além do mais, a água benta é um sacramental que nos alcança o perdão dos pecados veniais, pode livrar-nos de acidentes (trânsito, assaltos, quedas), e ajuda até a curar doenças. O conhecido livro “Tesouro de Exemplos” conta que uma criança gravemente enferma ficou imediatamente curada ao receber a bênção de São João Crisóstomo com água benta.

A água benta, como todo sacramental, leva-nos a invocar, nas diversas circunstâncias do dia, o socorro do Divino Espírito Santo, para o bem de nossa alma e de nosso corpo.

Outro benefício muito interessante e pouco conhecido: ela pode ser usada eficazmente em proveito de pessoas que se acham distantes de nós. E mais, cada vez que a utilizamos para fazer o sinalda-cruz, na intenção das almas do purgatório, elas são aliviadas dos seus sofrimentos.

De onde vem esse poder maravilhoso?

Vem do fato de ser ela um sacramental instituído pela Santa Igreja Católica. O sacerdote benze a água, enquanto ministro de Deus, em nome da Igreja e na qualidade de representante dela, cujas orações nosso Divino Salvador sempre atende com benevolência.

É importante lembrar que para ser verdadeiramente água benta, ela precisa ser benzida pelo sacerdote segundo o cerimonial prescrito pela Igreja, no “Ritual de Bênçãos” e no próprio “Missal Romano”,ambospublicados pela CNBB.

São belas e altamente significativas as orações para a bênção da água. Por exemplo, esta:

Senhor Deus todo-poderoso, fonte e origem de toda a vida, abençoai esta água que vamos usar confiantes para implorar o perdão dos nossos pecados e alcançar a proteção da vossa graça contra toda doença e cilada do inimigo.

Concedei, ó Deus, que, por vossa misericórdia, jorrem sempre para nós as águas da salvação para que possamos nos aproximar de Vós com o coração puro e evitar todo perigo do corpo e da alma. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

Portanto, não se esqueça!

É muito conveniente ter sempre consigo água benta para usar em qualquer circunstância. Por exemplo, benzer-se com ela ao sair e ao entrar na igreja, em casa ou no local de trabalho; ao iniciar uma oração, um serviço, uma viagem. Para afastar do lar a influência maléfica dos demônios, é muito aconselhável aspergir na casa algumas gotas de vez em quando. Isto pode ser feito por qualquer pessoa da família. É claro que pedir a um Padre para benzer a casa é muito melhor! Portanto, a água benta é sempre benfazeja e eficaz!

sábado, 24 de março de 2012

A Túnica de Jesus

No século IX, a Imperatriz Irene presenteou Carlos Magno com a Santa Túnica de Nosso Senhor. Essa inapreciável relíquia foi confiada à Abadia de Nossa Senhora da Humildade, em Argenteuil, cidade próxima de Paris, cuja abadessa era Theodrade, filha do grande Imperador.
Durante as devastadoras incursões dos vikings, as monjas decidiram murar a Santa Túnica no interior do convento. Tempos depois, em 1156, ela foi aí descoberta.
Em 1567, hordas de protestantes invadiram o convento, mas a relíquia ficou incólume. Porém, em 1793, durante a Revolução Francesa, o Pe. Ozet decidiu dividi-la. Enterrou a parte principal no jardim do convento e entregou pedaços de tecido a diversos fiéis de sua confiança. Passado o perigo, na hora de recolher os diversos pedaços espalhados, verificou-se que faltava a parte da frente.
A Túnica é tecida com fios de lã de ovelha, com trama em espinha de peixe — a mesma do Santo Sudário. De cor marrom, lembra o hábito franciscano ou carmelita. Inconsútil, quer dizer, sem costura, esse tipo de túnica era pouco frequente. De modo geral, seu uso era indício de alta posição social. Sobressai a excelência do fio e a perfeição da tecelagem. Segundo piedosa tradição, foi ela feita por Maria Santíssima e, milagrosamente, crescia com o menino Jesus.

Sagrada Túnica de Nosso Senhor Jesus Cristo. Argenteuil 

Narra São João (19, 23-24): “Depois de os soldados crucificarem Jesus, tomaram as suas vestes e fizeram delas quatro partes, uma para cada soldado. A túnica, porém, toda tecida de alto a baixo, não tinha costura. Disseram, pois, uns aos outros: ‘Não a rasguemos, mas deitemos sorte sobre ela, para ver de quem será’. Assim se cumpria a Escritura: ‘Repartiram entre si as minhas vestes e deitaram A Sagrada Túnica de Nosso Senhor exposta sorte sobre a minha túnica’ (Sal 21, 19)”.

quarta-feira, 21 de março de 2012

O exemplo é o melhor dos mestres

Numa cabana em meio a um agradável bosque morava, com sua família, um velho camponês, alquebrado pelos anos. Quem sabe ele próprio a edificara, ou ao menos ajudara na sua construção. Mas depois ficara tão, tão velhinho, quase surdo, com pouquíssima visão, de joelhos trêmulos, que quase não servia mais para nada.
Vivia ele, assim, vagando de um canto a outro da casa, solitário com suas recordações, sem ter com quem conversar nem com que se distrair.
Quando, à noite, todos sentavam-se à mesa para tomar um bom prato de sopa reforçada com uma farta fatia de pão, o pobre velhinho tremia tanto, tanto, que derramava mais sopa do que conseguia tomar. Sujava a camisa e a toalha. E logo a nora, impaciente e mal-humorada, zangava-se e lhe dizia palavras ásperas.
Um dia, o filho, irritado ele também, com as debilidades senis do pai, cedeu às insistências da esposa. Obrigaram o velho a, daí em diante, fazer as refeições sentado num canto atrás do fogão, comendo numa tigela de barro. E davam-lhe tão pouca coisa que o coitado estava sempre com fome...
De seu canto, com sua pouca visão, ele levantava os olhos para espiar a família reunida à mesa. Com a mão trêmula, levava a colher à boca e engolia a sopa misturada com suas lágrimas.
Certa vez, a mão tremeu-lhe tanto que a tigela caiu e se quebrou. A nora repreendeu-o com brutalidade. Ele, na sua triste situação, nada pôde responder. No dia seguinte, ela comprou-lhe uma gamela de madeira, das mais ordinárias que havia na vendinha do carpinteiro, para substituir a tigela de barro.
O neto do velho, um menino vivo, de seus oito anos, costumava brincar próximo ao fogão. Gostava de correr pelo bosque e construía seus próprios brinquedos com os galhos de árvore e pedras que recolhia pelo caminho. Certo dia, ele parecia estar brincando com uns paus, mas fazia algo que não era um brinquedo. Intrigado e curioso, seu pai perguntou-lhe:
— O que você está fazendo, meu filho?
— Estou fazendo um cocho, papai, para o senhor e a mamãe comerem quando ficarem velhinhos — respondeu o rapaz.
Marido e mulher se olharam por algum tempo e desataram a chorar.
Lembraram-se, então, da frase do Eclesiastes, que reflete o 4º mandamento: “O que honra seu pai encontrará alegria nos seus filhos” (Ecli 3, 6). Deram-se conta de que as crianças prestam muita atenção no que vêem, analisam e tiram conclusões... E de que o exemplo — bom ou mau — é o mais poderoso dos mestres.
Resultado, atiraram ao fogo a gamela de madeira e trouxeram o velhinho de volta para seu lugar de honra à mesa, dando-lhe uma bela tigela nova e sempre cheia de sopa.
A nora fez uns grandes guardanapos para ele e, daí por diante, quando a trêmula mão derramava a sopa, fingiam não ver e nada diziam. A boa ordem familiar voltou àquela cabana. E o coração do velho encheu-se da alegria de sentir-se novamente estimado e respeitado por aqueles a quem amava e por quem havia trabalhado e sofrido ao longo de sua vida.
O exemplo dado nas boas ações tem muito mais força do que qualquer discurso, por mais erudito que seja... !

sábado, 17 de março de 2012

Um doce e suave presente: a amizade cristã


Um amigo verdadeiro é como um tesouro, diz a Escritura. Quando o encontramos, devemos saber guardá-lo com cuidado.
 
Alguns personagens são difíceis de esquecer. Um desses era um antigo sacerdote, que com certeza já passara dos oitenta anos. Um homem bem interessante, que não procurava de modo algum esconder a idade; pelo contrário, ufanava-se das décadas vividas como um guerreiro, das batalhas vencidas. Magro, um pouco encurvado e locomovendo-se com certa dificuldade, possuía, no entanto, uma extraordinária vivacidade e alegria de alma, e isso muitas vezes surpreendia os jovens com quem tratava, pois frequentemente a ideia de velhice é associada à de decrepitude e tristeza.

Quatro coisas boas quando envelhecem

 Um dia alguém o elogiou por estar com tão boa disposição, apesar da idade. Com um pequeno sorriso no canto dos lábios, ele retrucou:

— Não se iluda, meu filho! As coisas boas são as novas, as velhas para nada servem...

A entonação da voz e um certo brilho maroto no olhar do esperto ancião davam a entender que ele não formulava um princípio, mas preparava algum dito de espírito. De fato, ele logo continuou:

— Na pequena aldeia onde nasci, as pessoas costumavam dizer que quatro coisas são boas quando são velhas: vinho velho para beber, madeira velha para queimar, livros velhos para ler e amizades velhas para confiar.

O sacerdote sorriu satisfeito, enquanto algumas pessoas próximas se entreolhavam, meneando a cabeça em sinal de aprovação. Quanto ao vinho, à madeira e aos livros, não há muito a discutir. Mas em que consiste exatamente o valor de uma amizade, sobretudo uma amizade entendida sob o prisma cristão?

Três graus de egoísmo

Ao observar a natureza, vemos que há animais gregários, ou seja, aos quais é próprio viver em grupo. Por exemplo, as laboriosas abelhas em suas colmeias e os tranquilos carneiros em seus prados formam pequenas “sociedades” simples e harmoniosas.

Os homens, porém, transferem para o seu relacionamento social as qualidades e os defeitos inerentes à sua complexa natureza.

Lamentavelmente, trazemos em nós várias tendências más. Uma delas, sobremaneira dura, é o fato de o homem ser por natureza egoísta, ou seja, levado a procurar em primeiro lugar seu próprio interesse; num grau maior, a se preocupar só com seu interesse; e nos casos extremos, a ver em qualquer outro interesse um inimigo potencial...

A amizade transpõe a barreira do egoísmo

Estabelecida assim essa barreira do egoísmo entre os homens, com muita razão se reconhece o mérito e o valor de quem se esforça em ultrapassá-la.

Tomemos, a título de exemplo, dois homens que se vêem com frequência e passam a se cumprimentar. A partir desse momento, um irá referir-se ao outro como “conhecido”. Já não são estranhos. Se um começa a participar com assiduidade de alguma atividade do outro, quer de trabalho, quer de diversão, torna-se um “companheiro” ou “colega”.

Mas para alguém chegar a ser de fato um “amigo”, terá necessidade de subir muitos degraus na dura faina de escalar e transpor o mencionado muro do egoísmo. Quantos estarão dispostos a fazê-lo?

Alguns preceitos da boa amizade

Para duas pessoas se considerarem “amigas” há umas tantas condições a cumprir. Muitas vezes é preciso renunciar à própria vontade.

— Vamos sair.

— Eu prefiro ficar.

— Está bem... ficarei aqui contigo.

Se alguém não está disposto a fazer isso, não é um amigo.

Vamos conversar? É preciso saber calar, é preciso saber ouvir, é preciso prestar atenção num tema pouco interessante. É preciso apresentar as coisas das quais se gosta sem violentar o interesse do outro nem sequestrar a conversa.

Saber chegar na hora certa e ir embora no momento oportuno. Estar sempre presente, mas ausentar-se quando isso for necessário. Apresentar-se como útil e solícito, mas não insinuar-se como indispensável. Ser capaz de cativar a atenção, e libertá-la sem custo.

O outro tem defeitos? Deve-se saber suportá-los, mas também, se necessário, apontá-los com tato, ao mesmo tempo estendendo a mão em auxílio para a correção. Sobretudo, ter sempre em vista que também somos portadores de falhas a serem emendadas.

O fundamento natural da amizade: reciprocidade

Haverá por certo divergências, quiçá até mesmo brigas. Mas uma verdadeira amizade possui humildade para pedir e dar perdão, traz em si força para curar as feridas, e deve, depois de um abalo, tornar-se mais forte do que era antes dele. Seu fundamento natural é a reciprocidade. Quem espera receber, precisa estar disposto a dar. Sem isso, não é algo sincero. Mas um grau superior de amizade, e que denota nobreza de alma, é quando num relacionamento se está mais disposto a dar do que a receber.

O amor ao próximo, a essência da amizade cristã

Até aqui, consideramos a amizade sob o aspecto meramente natural. Mas mesmo assim, ao ler esses pontos tomados a esmo, logo se percebe como é raro e, portanto, precioso encontrar pessoas que se encaixem nesses quesitos. Já os antigos gregos reconheciam isso, e valorizavam muito o homem íntegro que se portava como verdadeiro amigo, pois sabiam como era custoso encontrar um. Aristóteles chegou a afirmar: “Ter muitos amigos equivale a não ter nenhum”.


Mas ainda um passo haveria de ser dado, nessa íngreme estrada do relacionamento humano, e seria dado pelo Cristianismo. À amizade natural, já tão difícil de ser praticada, Nosso Senhor Jesus Cristo acrescentou outras exigências, chamando os homens à maior perfeição. Primeiro, pede-nos amar os outros como a nós mesmos; depois, amar até mesmo quem nos maltrata; e, por fim, Se coloca a Si mesmo — Homem-Deus — como modelo do amor que todos os homens devem ter entre si: “Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15, 12).

Não se pode conceber modelo mais alto e perfeito de amizade do que este para o qual nos convida o Salvador. Ele ultrapassa de muito as melhores expectativas dos antigos clássicos, pois contraria os mais arraigados costumes e defeitos humanos. Ele parece estar além do limitado alcance de nossa pobre natureza. É bem verdade! Tanta generosidade e abnegação só são possíveis com um auxílio celeste, ou seja, a graça, esse dom oferecido por Deus para elevar o homem até sua divina estatura.

A amizade cristã é, pois, um dom sobrenatural, um doce e suave fruto do amor ao próximo, sublime ideal apontado pelo Salvador no Evangelho.

Quando a amizade é substituída pelo mero interesse

Por aí vemos a quantos sofrimentos se expõem as tristes sociedades que banem de seu seio a caridade cristã, esse fator inigualável de harmonia. Uma amostra disso, lemos na pessimista pena de um conhecido escritor alemão, infelizmente influenciado por ideias pouco cristãs: “Quanto mais altruísta é o homem, mais ele é subjugado pelos egoístas”. Um melancólico convite a um relacionamento tão frio quanto impiedoso.

Uma sociedade construída a partir de princípios como este seria um agrupamento humano sem afeto, onde não haveria amizade, só egoísmo. Os homens se conheceriam, mas não seriam amigos. Viveriam juntos, porém, não como companheiros. Habitariam o mesmo território e, entretanto, não seriam mais do que estranhos.

O Divino Amigo

Assim, com razão o experiente sacerdote mencionado no começo destas linhas atribuía tanto valor à amizade, sobretudo às antigas, ratificadas pelos anos. Um verdadeiro amigo é um dom precioso, conquistado numa árdua batalha contra o egoísmo humano, inimigo sempre latente em nossos corações. Do mesmo modo como o passar do tempo depura os sabores do bom vinho, o correr dos anos nos permite separar adequadamente as verdadeiras amizades daquelas que são falsas e interessadas.

E a amizade cristã?

Sem dúvida, podemos reconhecer nela um dos mais doces e suaves presentes oferecidos pela infinita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo à pobre humanidade. Mas esta amizade só será autêntica se tiver num sólido amor a Deus a principal razão de sua existência. Aí sim, será um poderoso sustento e lenitivo nas agruras desta vida, e continuará na eternidade, onde teremos a suprema amizade d’Aquele que, além de Pai, é o Divino Amigo de todos os homens.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Eis um pedido de Nossa Senhora


13 de junho de 1917, em Fátima, Nossa Senhora disse à Irmã Lúcia que voltaria para pedir a “comunhão reparadora dos primeiros sábados.

E em 10 de dezembro de 1925, Ela lhe apareceu de novo com essa finalidade. A seu lado, via-se o Menino Jesus: Olha, minha filha, disse-lhe a Virgem Maria, o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado,

se confessarem,
recebendo a Sagrada Comunhão,
rezarem um terço e
Me fizerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar,

Eu prometo assisti-los na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas”.









domingo, 11 de março de 2012

O simbolismo do pão e do vinho na Eucaristia

Diácono Felipe Ramos, EP

Tudo o que Jesus fez foi perfeito. Desde seus divinos ensinamentos ou seus estupendos milagres, até o mínimo gesto ou atitude. Para o mais sublime dos milagres, então, por que terá Ele se utilizado do pão e do vinho?

Quem, passeando pelos campos e vendo um trigal magnífico, dourado e pronto para a safra; ou ainda, deparando-se com uma parreira carregada de uvas de atraentes tonalidades, no ponto de serem levadas ao lagar, poderia imaginar que de toda essa poesia vai desabrochar o mais belo milagre que se passa na face da terra?

Com efeito, o trigo, depois de ceifado e colhido, é transformado em farinha, misturado com água e assado ao forno, tornando-se assim no alimento mais comum para o sustento do homem: o pão.

A uva é amassada para liberar o seu sumo, que será guardado com carinho pelo viticultor em grandes cubas, para ser fermentado, e dali sairá aquele precioso líquido que “é o júbilo da alma e do coração” (Eclo 31, 36): o vinho.

O pão e o vinho — oferecidos outrora por Melquisedec ao Senhor em sacrifício — são de tal maneira alimentos prediletos de Deus, que Ele os escolheu para operar o milagre da Transubstanciação. É sob as aparências do pão e do vinho que nosso Redentor quis permanecer conosco “todos os dias, até a consumação dos séculos” (cf. Mt 28, 20).

Alimento para a alma

Esta verdade foi contestada por algumas seitas gnósticas dos primeiros séculos do Cristianismo. Uma delas (os artotiritas) utilizava-se de pão e queijo para a Consagração. Outra (a dos catarígios) usava pão de farinha amassada com sangue de um menino de um ano, extraído por meio de finas punções! Várias outras “consagravam” água, em vez de vinho, sob pretexto de sobriedade... O mesmo fazia a seita dos maniqueus, para os quais o vinho era um “licor diabólico”.

Mas a Santa Igreja sem demora pôs fim a todos esses estapafúrdios. E ela sempre usa pão e vinho para o Sacramento da Eucaristia.

Por quê? Porque Jesus assim o fez e mandou fazer. Na Última Ceia, Ele tomou o pão, benzeu, partiu e deu a seus discípulos, dizendo: “Tomai e comei; isto é o meu corpo”. Depois tomou o cálice com vinho, rendeu graças e lhes deu, dizendo: “Bebei dele todos, porque isto é o meu sangue” (cf. Mt 26, 26-28). Assim também o ensina São Paulo, o qual afirma ter aprendido diretamente do Salvador essa mesma doutrina: “Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de Mim. Do mesmo modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim” (1 Cor 11, 23-25).

Um passeio pelo mundo dos símbolos

Mas por que terá Deus escolhido pão e vinho para esse sacramento tão mais importante que os outros? O amor à Sagrada Eucaristia leva muitas almas a fazerem mais esta pergunta.

Convido o leitor a acompanhar os teólogos num atraente e formativo passeio pelos campos da Simbologia, à procura da resposta.

A Eucaristia — explicam eles — é alimento espiritual, da mesma forma como o Batismo é uma ablução da alma. E assim como a água, por servir para o banho corporal, tornou-se matéria do Batismo, pelo qual os homens são lavados espiritualmente, assim também o pão e o vinho, que restauram as forças corporais, tornou-se matéria da Eucaristia, pela qual os homens são espiritualmente alimentados.

O pão e o vinho são os mais nobres frutos do reino vegetal, com os quais se nutre e se conserva a vida do corpo, a tal ponto que Santo Irineu os qualifica como “primícias dos dons de Deus”. Convinha, portanto, que fossem eles os escolhidos para a Eucaristia, instituída por Jesus para conservar e aumentar a vida espiritual do homem.

O teólogo Juan Cornubiense, citado por São Tomás na Suma Teológica, inclui no vinho também as gotas de água que o celebrante põe no cálice antes da Consagração e afirma de modo mais belo ainda esse simbolismo: “Entre todas as coisas necessárias para o sustento da vida humana, o pão, o vinho e a água são as mais limpas, mais úteis e mais necessárias. Por isso elas foram preferidas a todas as outras e transformadas no que há de mais puro, mais útil e necessário para adquirir a vida eterna, isto é, no Corpo e Sangue de Cristo”.

A utilização do pão e do vinho no Sacramento da Eucaristia é também uma admirável imagem da unidade da Igreja: o pão se compõe de muitos grãos de trigo que formam uma só massa, e o vinho deflui de grande quantidade de uvas.

A Eucaristia é como um memorial da Paixão de Cristo, na qual o Sangue preciosíssimo do Divino Redentor foi separado de seu Corpo santíssimo. Então, para bem representar esse mistério, toma-se separadamente o pão como sacramento do Corpo, e o vinho como sacramento do Sangue.

O que é verdadeiro pão

Parece tão simples dizer: pão e vinho... Mas o que é verdadeiro pão e o que é vinho autêntico? Também desses detalhes se ocupa, com beleza e precisão, a Teologia.

Para ser válida a Consagração, só pode ser usado pão de farinha de trigo misturada com água natural. Se misturar qualquer outro líquido, não servirá para o Sacramento do Corpo de Cristo, pois não será verdadeiro pão, ensina São Tomás.

No Rito Grego, a Consagração é feita com pão fermentado, enquanto no Rito Latino se usa pão ázimo, ou seja, sem fermento. Qual dos dois está certo? Ambos, porque o fato de ser ázimo ou fermentado em nada altera a natureza do pão, mas diz respeito apenas ao modo de prepará-lo. E a Igreja determina que cada sacerdote celebre segundo o rito ao qual pertence.

Pão ázimo ou com fermento: qual é o mais adequado?

Longe de ser uma opção arbitrária ou de mera conveniência prática, a escolha entre o pão ázimo e o fermentado decorre de considerações altamente simbólicas, que bem demonstram quanto na Santa Igreja tudo tende ao mais elevado, à perfeição.

Argumentam os teólogos do Rito Grego: Na mescla de trigo e fermento está bem representado o inefável mistério de Cristo, o qual tem duas naturezas numa só Pessoa: a divina e a humana. Ademais, o uso do fermento, por cuja ação o pão se avoluma e se esponja, significa que a mente de quem consagra ou recebe a Eucaristia deve elevar-se ao Céu na contemplação das coisas espirituais e divinas. Por fim, o fermento dá ao pão um sabor mais agradável, por isso designa convenientemente a maior suavidade do Sacramento da Eucaristia.

Os teólogos latinos, por sua vez, fundamentam sua preferência no exemplo de Cristo: na Última Ceia se comeu pão ázimo, segundo preceituava a lei mosaica; portanto, Jesus consagrou pão sem fermento.

E acrescentam a esse argumento razões altamente simbólicas: O pão ázimo é símbolo da pureza e por isso representa melhor o Corpo de Cristo, concebido sem a mínima corrupção no seio puríssimo da Virgem Maria.

Além disso, ele é mais adequado para representar também a pureza de corpo e de alma dos fiéis que recebem a Eucaristia, segundo ensina São Paulo: “Purificai-vos do velho fermento, para que sejais massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e de verdade” (1 Cor 5, 7-8).

O que é vinho autêntico

Para o Sacramento da Eucaristia, só pode ser usado vinho espremido de uvas maduras. Exclui-se, portanto, o “vinho” de qualquer outra fruta. Igualmente excluído está o agraço (suco de uvas verdes), por estar ainda em vias de formação e não possuir a qualidade ou condição de vinho.

Desde sempre a Igreja determina que, antes da Consagração, o celebrante junte ao vinho “uma pequeníssima” quantidade de água. E o Concílio de Trento (1545 a 1562) sustenta categoricamente a doutrina de que ela adquire as propriedades do vinho: “De acordo com a sentença e o parecer de todos os eclesiásticos, aquela água se converte em vinho”.

A Santa Igreja se baseou em vários motivos para estabelecer essa norma. Em primeiro lugar, porque, como os judeus costumavam tomar vinho misturado com água na ceia pascoal, parece certo que Cristo assim o consagrou na Última Ceia.

Mas a esse motivo somam-se outros de elevada expressão simbólica. Assim diz o Concílio de Trento: “A Igreja preceituou aos sacerdotes que misturem água ao vinho no cálice que se oferece, seja porque se crê que assim fez Cristo Senhor, seja porque de seu Lado transpassado pela lança do soldado fluiu sangue e água”.

Quando no cálice a água se mistura com o vinho, o povo se une a Cristo, afirma São Cipriano. E São Tomás de Aquino vai mais longe: “Quando a água se converte em vinho, significa que o povo se incorpora a Cristo”.

Para outros teólogos, essa mistura é também uma imagem da íntima união de Jesus Cristo com sua Igreja. O vinho, elemento nobre e precioso, simboliza o Homem-Deus; e a água é símbolo da humanidade inconstante e frágil.

Entretanto, a água não é necessária para a validade da Consagração. A mistura de água com o vinho — ensina a Teologia — diz respeito à participação dos fiéis no Sacramento da Eucaristia, significando que o povo se une a Cristo. Ora, tal participação não é de necessidade essencial para ser válido esse Sacramento.

* * *

Quantas e quantas vezes nos sentimos desanimados por causa de nossa fraqueza espiritual, ou quase nos deixamos vencer pelas tristezas desta terra de exílio! E não é raro nos revoltarmos, ou tentarmos culpar outros. Mas bastaria nos olharmos em algum espelho para encontrarmos a quem acusar com certeza.

Sim, nós, que costumamos tomar tanto cuidado com nosso alimento físico, descuramos nossa alma, e esquecemos de que ela também — e muito mais — precisa ser tratada com carinho. Para isso temos à disposição o “Pão do Céu” (Jo 6, 32), que nos dará forças para tudo suportar, para crescer, para alcançar a santidade, conforme a promessa de Jesus: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6, 56).

Aproximemo-nos, pois, o mais possível do Sacramento do Altar, prelúdio do eterno convívio que teremos com Jesus no Céu. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Casa de Deus tem de ser bela


A beleza de uma igreja ajuda os fiéis, especialmente os mais pobres, a ver um pouco da beleza de Deus, explicou o Cardeal Dom Cláudio Hummes. Transcrevemos, abaixo, alguns trechos das palavras de Sua Eminência.

Igreja sempre tem dado um toque de carinho e cuidado para edificar igrejas bonitas que nos lembrem um pouco das coisas de Deus.

Às vezes, em outros tempos, se dizia que uma igreja não devia ser bonita, devia ser muito simples, muito popular, porque o povo é pobre. Então, vamos fazer uma igreja bem pobrezinha. E se construía um galpão...
Não! Somos exatamente nós, mais pobres, que queremos ter uma igreja bonita, onde possamos, naqueles domingos em que estamos juntos, na beleza ver também um pouco de Deus.

Deus é infinitamente belo, Deus é a beleza maior. Uma das qualidades de Deus é a beleza. Quando nós O virmos face a face, vamos ficar maravilhados diante da beleza de Deus. É por isso que a igreja que se apresenta com todos aqueles traços de beleza, nos ajuda a pensar em Deus.

E, sobretudo, queremos homenagear a Deus com as nossas coisas melhores, queremos trazer para Ele as coisas melhores.

São Francisco de Assis, que era tão pobrezinho, pedia esmolas e ainda repartia suas esmolas com os outros mendigos, dizia: “A Casa de Deus tem de ser bela; quanto mais bela, melhor”.

domingo, 4 de março de 2012

Por que guardar o domingo?

Pe Mauro Sérgio da Silva Izabel, EP

O costume de consagrar a Deus determinados dias é quase tão antigo como a humanidade. No entanto, em nossa época, vai-se introduzindo insensivelmente o hábito de não observar o descanso dominical. A supressão do dia reservado ao Senhor acaba prejudicando o próprio homem.


Como você sabe, caro leitor, as olimpíadas eram um ato de culto dos gregos aos deuses do Olimpo; os meses de junho e agosto têm esse nome por serem dedicados a dois “divinos e imortais” imperadores romanos; e os germanos davam aos dias da semana o nome de cada um de seus deuses.

Esses povos desconheciam a existência do verdadeiro Deus, mas algo os levava a homenagear, a venerar e entregar-se a um ser superior a eles. E quem percorrer a história das nações comprovará amplamente que o homem procurou sempre, de uma forma ou de outra, prestar a Deus um culto externo, pois o ser humano sente em si a necessidade de se purificar, de se recolher, de se renunciar. Sentimentos estes que se traduzirão por instituições, práticas ascéticas, orações, cantos e, sobretudo, oferendas e sacrifícios.

Deus imprimiu em nossas almas a necessidade de adorá-Lo! Na prática, contudo, o homem não pode ocupar todo o seu tempo em atos externos de adoração. Assim, ele reserva determinados dias e ocasiões para prestar culto a Deus, como se comprova pelas tradições de todos os povos.

Conveniência do repouso

Por outro lado, é altamente conveniente e até indispensável que, de tempos em tempos, o homem se abstenha dos trabalhos, pois assim restabelece as forças físicas e se torna capaz de retomá-lo com maior proveito. Longe de representar um prejuízo para a produção, isso contribui eficazmente para qualificá-la. Proporciona também ocasião de cultivar a vida do espírito, sufocada pelas ocupações contínuas e absorventes, além de criar condições para um maior estreitamento dos laços familiares e de amizade.

Assim também nos ensina o próprio Senhor nosso Deus, o qual descansou após criar o universo, conforme canta a Liturgia das Horas, no II domingo do Tempo Comum:

“Terminando tão grande trabalho / decidistes entrar em repouso, / ensinando aos que cansam na luta / que o descanso é também dom precioso.”

Preceito divino

A essa carência natural da humanidade, Deus acrescentou um mandamento: “Guardarás o dia do sábado e o santificarás” (Dt 5, 12).

O repouso assume, dessa forma, um caráter sagrado, e fica claro que se deve dedicar especialmente um dia da semana ao culto divino. “O fiel é convidado a repousar não só como Deus repousou, mas a repousar no Senhor, atribuindo-Lhe toda a criação, no louvor, na ação de graças, na intimidade filial e na amizade esponsal” (1).

O fundamento desse preceito não era só o exemplo da criação, mas, sobretudo, a libertação efetuada por Deus, no Êxodo: “Recorda-te de que foste escravo no país do Egito, donde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão forte e braço poderoso. É por isso que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado” (Dt 5, 15).

O conteúdo do mandamento não é, pois, principalmente uma interrupção qualquer do trabalho, mas a celebração das maravilhas realizadas por Deus.

A nova Aliança

Com o advento de Cristo, iniciou-se a nova Aliança, na qual celebramos em realidade tudo quanto antes era figura. “Aquilo que Deus realizou na criação e o que fez pelo seu povo no Êxodo, encontrou na morte e ressurreição de Cristo o seu cumprimento” (2).
É Deus quem dá início à nova criação, fazendo “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21, 1), na qual o firmamento é a fé em Cristo, e a terra um coração puro que produz frutos em abundância. E obra muito maior do que libertar da escravidão o povo eleito foi a de arrancar-nos das trevas do pecado e nos conduzir à Terra Prometida verdadeira e eterna.
Tudo isto se consumou quando, três dias após sua morte, Jesus ressuscitou e apareceu aos seus discípulos “no primeiro dia da semana”, segundo o unânime testemunho dos Evangelistas. Sendo a Ressurreição o fato decisivo da missão redentora de Cristo — “Se Cristo não ressuscitou é vã nossa fé” (1 Cor 15, 14) — era lógico que nesse dia se fizesse sua rememoração perene.

O primeiro dia da semana tornou-se, pois, o “dia do Senhor”, ou seja, o domingo.

“Nesse dia devem os fiéis reunir-se para participar na Eucaristia e ouvir a palavra de Deus, e assim recordar a Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus que os ‘regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos’ (1 Pd 1, 3). O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso” (3).

A celebração do domingo

São abundantes os testemunhos da celebração do domingo na Igreja nascente. É fora de dúvida que, no início, a comunidade cristã teve de contentar-se em acrescentar a Eucaristia dominical à observância do sábado. Mas, no final do séc. I, a dissociação era já um fato consumado, e logo os cristãos fariam da santificação do domingo o sinal por excelência do seguidor de Cristo.

Um documento da época nos permite entrever como se celebrava a assembleia dos fiéis: “Reunidos no dia do Senhor, o domingo, parti o pão e dai graças, depois de ter confessado os vossos pecados, a fim de que vosso sacrifício seja puro. Todo aquele que tiver contenda com seu irmão, não se junte convosco até ter-se reconciliado, para que não se profane vosso sacrifício” (4).

Numa carta a Trajano, no ano 112, Plínio o moço, governador da Bitínia, declara que os cristãos detidos “afirmavam que seu crime se reduzia a ter o costume de, em dias determinados, reunir-se antes do raiar do sol e cantar um hino a Cristo como a Deus”.

A celebração do domingo começava na véspera, ao pôr-do-sol, e dividia-se em duas partes: uma à noite na qual se cantavam salmos, recitavam-se orações e liam-se trechos da Sagrada Escritura; no raiar da aurora tinha lugar a parte eucarística do culto. Da primeira parte resultaram as vigílias; a segunda leva regularmente o nome de “oblatio”, enquanto que “missa” era a despedida dos catecúmenos.

Constantino foi o primeiro imperador a proibir, por uma lei civil, os trabalhos servis no domingo. Essa proibição tornou-se depois lei vigente em todos os domínios do império de Carlos Magno.

Testemunho até o martírio

Nos tempos de Diocleciano e Maximiano, o paganismo declarou guerra aos cristãos: as autoridades pagãs exigiram que eles entregassem as Sagradas Escrituras para serem queimadas, mandaram destruir as basílicas consagradas ao Senhor e proibiram a celebração dos ritos sagrados e as reuniões de culto.

Vários cristãos renegaram assim a fé, mas muitíssimos outros confirmaram com seu próprio sangue o caráter sagrado do dia do Senhor.

Na cidade de Abitinas, ao celebrarem, segundo o costume, os mistérios do Senhor, 45 fiéis foram detidos, algemados e enviados para Cartago. Alegres e jubilosos, não cessavam, durante todo o trajeto, de cantar hinos em louvor ao Senhor. Compareceram um a um ao tribunal, diante do procônsul.

— Agiste contra a proibição dos imperadores, reunindo a todos estes? — perguntou ele ao sacerdote Saturnino.

— Celebramos tranquilamente o dia do Senhor, porque sua celebração não pode ser interrompida.

Após esta resposta, o santo sacerdote foi submetido a indizíveis tormentos, e resistiu até a morte. Logo depois foi chamado o dono da casa em que se haviam reunido:

— Em tua casa fizeram-se reuniões de culto contra os preceitos dos imperadores? — inquiriu o magistrado.

— Sim, em minha casa celebramos os mistérios do Senhor.

— Por que lhes permitiste entrar? Era teu dever impedi-los.

— Não podia impedi-los, pois são meus irmãos, e nós não podemos viver sem celebrar os mistérios do Senhor.

Teve, então, o mesmo destino de Saturnino.

Não podia o sexo frágil ver-se privado da glória de tão grande combate. Todas as mulheres do grupo alcançaram também a coroa do martírio. Não faltou nem mesmo a candura das crianças que proclamavam cheias de ufania:

— Sou cristão, e por própria vontade assisti à reunião junto com meus pais e meus irmãos.

Época conturbada da história da Igreja, mas na qual se viu brilhar como nunca a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

O domingo, hoje

Época tão diferente de nossos dias, nos quais se propaga por todos os lados a liberdade religiosa, mas a fé em Cristo, nosso Salvador, encontra-se como nunca apagada! Dar o sangue pelo dia do Senhor? Muitos não são capazes sequer de levantar-se uma hora mais cedo, cancelar um programa de televisão ou mesmo enfrentar a chuva para assistir à Missa dominical!

A violência daqueles tempos também difere muito dos dias atuais. Entretanto, como explicar a felicidade na qual os mártires viviam, e o homem contemporâneo não consegue alcançar?

A explicação é fácil: os primeiros cristãos tinham a Deus como centro de sua vida e se revigoravam todo domingo no banquete eucarístico. Por isso, por mais ferozes que fossem as perseguições, encontravam forças para suportá-las, pois levavam Cristo dentro de si.

Diante das dificuldades que se apresentam hoje aos católicos do mundo inteiro — imersos num ambiente marcado por crises morais, financeiras, familiares e, sobretudo, espirituais — é indispensável nutrir-se todo domingo d’Aquele divino Amigo que nos recomenda: “Vinde a Mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados pelo peso de vossos fardos, e Eu vos aliviarei” (Mt 11, 28).

A isso nos estimula o Papa Bento XVI: “Participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão Eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos e irmãs em Cristo é uma necessidade para o cristão, é uma alegria, e assim ele pode encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas” (5).
Renovados por esse santo Sacramento, alcançaremos nosso fim e cumpriremos nossa missão nesta terra, até chegarmos ao domingo sem ocaso de uma vida com Deus.