Um amigo verdadeiro é como um tesouro, diz a Escritura. Quando o encontramos, devemos saber guardá-lo com cuidado.
Alguns personagens são difíceis de esquecer. Um desses era um antigo sacerdote, que com certeza já passara dos oitenta anos. Um homem bem interessante, que não procurava de modo algum esconder a idade; pelo contrário, ufanava-se das décadas vividas como um guerreiro, das batalhas vencidas. Magro, um pouco encurvado e locomovendo-se com certa dificuldade, possuía, no entanto, uma extraordinária vivacidade e alegria de alma, e isso muitas vezes surpreendia os jovens com quem tratava, pois frequentemente a ideia de velhice é associada à de decrepitude e tristeza.
Quatro coisas boas quando envelhecem
— Não se iluda, meu filho! As coisas boas são as novas, as velhas para nada servem...
A entonação da voz e um certo brilho maroto no olhar do esperto ancião davam a entender que ele não formulava um princípio, mas preparava algum dito de espírito. De fato, ele logo continuou:
— Na pequena aldeia onde nasci, as pessoas costumavam dizer que quatro coisas são boas quando são velhas: vinho velho para beber, madeira velha para queimar, livros velhos para ler e amizades velhas para confiar.
O sacerdote sorriu satisfeito, enquanto algumas pessoas próximas se entreolhavam, meneando a cabeça em sinal de aprovação. Quanto ao vinho, à madeira e aos livros, não há muito a discutir. Mas em que consiste exatamente o valor de uma amizade, sobretudo uma amizade entendida sob o prisma cristão?
Três graus de egoísmo
Ao observar a natureza, vemos que há animais gregários, ou seja, aos quais é próprio viver em grupo. Por exemplo, as laboriosas abelhas em suas colmeias e os tranquilos carneiros em seus prados formam pequenas “sociedades” simples e harmoniosas.
Os homens, porém, transferem para o seu relacionamento social as qualidades e os defeitos inerentes à sua complexa natureza.
Lamentavelmente, trazemos em nós várias tendências más. Uma delas, sobremaneira dura, é o fato de o homem ser por natureza egoísta, ou seja, levado a procurar em primeiro lugar seu próprio interesse; num grau maior, a se preocupar só com seu interesse; e nos casos extremos, a ver em qualquer outro interesse um inimigo potencial...
A amizade transpõe a barreira do egoísmo
Estabelecida assim essa barreira do egoísmo entre os homens, com muita razão se reconhece o mérito e o valor de quem se esforça em ultrapassá-la.
Tomemos, a título de exemplo, dois homens que se vêem com frequência e passam a se cumprimentar. A partir desse momento, um irá referir-se ao outro como “conhecido”. Já não são estranhos. Se um começa a participar com assiduidade de alguma atividade do outro, quer de trabalho, quer de diversão, torna-se um “companheiro” ou “colega”.
Mas para alguém chegar a ser de fato um “amigo”, terá necessidade de subir muitos degraus na dura faina de escalar e transpor o mencionado muro do egoísmo. Quantos estarão dispostos a fazê-lo?
Alguns preceitos da boa amizade
Para duas pessoas se considerarem “amigas” há umas tantas condições a cumprir. Muitas vezes é preciso renunciar à própria vontade.
— Vamos sair.
— Eu prefiro ficar.
— Está bem... ficarei aqui contigo.
Se alguém não está disposto a fazer isso, não é um amigo.
Vamos conversar? É preciso saber calar, é preciso saber ouvir, é preciso prestar atenção num tema pouco interessante. É preciso apresentar as coisas das quais se gosta sem violentar o interesse do outro nem sequestrar a conversa.
Saber chegar na hora certa e ir embora no momento oportuno. Estar sempre presente, mas ausentar-se quando isso for necessário. Apresentar-se como útil e solícito, mas não insinuar-se como indispensável. Ser capaz de cativar a atenção, e libertá-la sem custo.
O outro tem defeitos? Deve-se saber suportá-los, mas também, se necessário, apontá-los com tato, ao mesmo tempo estendendo a mão em auxílio para a correção. Sobretudo, ter sempre em vista que também somos portadores de falhas a serem emendadas.
O fundamento natural da amizade: reciprocidade
Haverá por certo divergências, quiçá até mesmo brigas. Mas uma verdadeira amizade possui humildade para pedir e dar perdão, traz em si força para curar as feridas, e deve, depois de um abalo, tornar-se mais forte do que era antes dele. Seu fundamento natural é a reciprocidade. Quem espera receber, precisa estar disposto a dar. Sem isso, não é algo sincero. Mas um grau superior de amizade, e que denota nobreza de alma, é quando num relacionamento se está mais disposto a dar do que a receber.
O amor ao próximo, a essência da amizade cristã
Até aqui, consideramos a amizade sob o aspecto meramente natural. Mas mesmo assim, ao ler esses pontos tomados a esmo, logo se percebe como é raro e, portanto, precioso encontrar pessoas que se encaixem nesses quesitos. Já os antigos gregos reconheciam isso, e valorizavam muito o homem íntegro que se portava como verdadeiro amigo, pois sabiam como era custoso encontrar um. Aristóteles chegou a afirmar: “Ter muitos amigos equivale a não ter nenhum”.
Mas ainda um passo haveria de ser dado, nessa íngreme estrada do relacionamento humano, e seria dado pelo Cristianismo. À amizade natural, já tão difícil de ser praticada, Nosso Senhor Jesus Cristo acrescentou outras exigências, chamando os homens à maior perfeição. Primeiro, pede-nos amar os outros como a nós mesmos; depois, amar até mesmo quem nos maltrata; e, por fim, Se coloca a Si mesmo — Homem-Deus — como modelo do amor que todos os homens devem ter entre si: “Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15, 12).
Não se pode conceber modelo mais alto e perfeito de amizade do que este para o qual nos convida o Salvador. Ele ultrapassa de muito as melhores expectativas dos antigos clássicos, pois contraria os mais arraigados costumes e defeitos humanos. Ele parece estar além do limitado alcance de nossa pobre natureza. É bem verdade! Tanta generosidade e abnegação só são possíveis com um auxílio celeste, ou seja, a graça, esse dom oferecido por Deus para elevar o homem até sua divina estatura.
A amizade cristã é, pois, um dom sobrenatural, um doce e suave fruto do amor ao próximo, sublime ideal apontado pelo Salvador no Evangelho.
Quando a amizade é substituída pelo mero interesse
Por aí vemos a quantos sofrimentos se expõem as tristes sociedades que banem de seu seio a caridade cristã, esse fator inigualável de harmonia. Uma amostra disso, lemos na pessimista pena de um conhecido escritor alemão, infelizmente influenciado por ideias pouco cristãs: “Quanto mais altruísta é o homem, mais ele é subjugado pelos egoístas”. Um melancólico convite a um relacionamento tão frio quanto impiedoso.
Uma sociedade construída a partir de princípios como este seria um agrupamento humano sem afeto, onde não haveria amizade, só egoísmo. Os homens se conheceriam, mas não seriam amigos. Viveriam juntos, porém, não como companheiros. Habitariam o mesmo território e, entretanto, não seriam mais do que estranhos.
O Divino Amigo
Assim, com razão o experiente sacerdote mencionado no começo destas linhas atribuía tanto valor à amizade, sobretudo às antigas, ratificadas pelos anos. Um verdadeiro amigo é um dom precioso, conquistado numa árdua batalha contra o egoísmo humano, inimigo sempre latente em nossos corações. Do mesmo modo como o passar do tempo depura os sabores do bom vinho, o correr dos anos nos permite separar adequadamente as verdadeiras amizades daquelas que são falsas e interessadas.
E a amizade cristã?
Sem dúvida, podemos reconhecer nela um dos mais doces e suaves presentes oferecidos pela infinita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo à pobre humanidade. Mas esta amizade só será autêntica se tiver num sólido amor a Deus a principal razão de sua existência. Aí sim, será um poderoso sustento e lenitivo nas agruras desta vida, e continuará na eternidade, onde teremos a suprema amizade d’Aquele que, além de Pai, é o Divino Amigo de todos os homens.
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