Em culinária, a qualidade dos ingredientes e o esmero na preparação dos pratos não são suficientes para agradar os convivas. Os aspectos psicológicos e espirituais têm grande relevância na boa mesa.
Uma das últimas tendências gastronômicas em Paris acena para a “arte de comer com espírito”, segundo notícia da conhecida revista parisiense “Figaro Magazine”. Ressalta ela também a existência de uma “recusa de portar-se à mesa de modo enfadado”. Após prevenir o riso irônico que essa afirmação pode provocar — pois, em princípio, ninguém senta-se de má vontade à mesa — a revista acrescenta:
“Entretanto, nem todos os restaurantes estão aptos a atenderem tais requisitos. Claro está que ninguém vai comer as cortinas das salas de jantar, mas no momento atual o ambiente tornou-se um dos pontos fundamentais do bom acolhimento nos estabelecimentos. A decoração absorve tanto a atenção do “maître” como a dos clientes.
“Hoje em dia as pessoas não se contentam mais com restaurantes onde há apenas pratos brancos, sem decoração. Desejam mais. Querem um complemento para a alma, que seja um prolongamento do ambiente familiar, que tenha alguma transcendência, algo de imponderável. Inúmeros são os restaurantes que chamam a atenção para o elemento surpresa, para o que não se esperava.”
Conclui a Revista afirmando que nos restaurantes o papel preponderante não pode mais ser reservado exclusivamente aos alimentos enquanto tais. Eles devem ser apresentados de modo agradável e decorativo.
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Durante décadas, certa publicidade materialista vem inculcando a idéia de que, em matéria de alimentação, não se deve dar qualquer importância aos aspectos psicológicos, ou seja, à bela apresentação dos pratos, arrumação das mesas, decoração dos ambientes. Pois, afirma-se, uma vez saciada sua necessidade de nutrição, o homem está suficientemente atendido, podendo o restante ser excluído de suas preocupações.
Ora, esta é uma doutrina errada, pois o homem é composto de corpo e alma — ou melhor, na ordem certa, de alma e corpo — e justamente nisto consiste sua semelhança com os anjos, puros espíritos. E atender, no campo da gastronomia como em qualquer outro, tão somente a um dos seus elementos constitutivos, acaba produzindo a atrofia do outro. Este é precisamente o malefício imposto pela mencionada mentalidade consumista materialista à sociedade atual.
Por este motivo, é alentadora a notícia de que, afinal, depois de ser comprimida durante tanto tempo, a apetência do belo e do bem-arranjado ressurge com uma força inesperada: “As pessoas não se contentam mais com restaurantes onde há apenas pratos brancos, sem decoração. Desejam mais. Querem um complemento para a alma”.
Note-se que Paris sempre foi considerada a capital gastronômica do mundo. E isto, tanto no que diz respeito à alta culinária dos restaurantes caros e selecionados, quanto no tocante ao nível médio ou mesmo popular. Por outro lado, o público francês sempre foi dos mais exigentes nesta matéria, não aceitando meias-medidas. Isto dá especial realce ao fato de que, tendo podido atender geralmente a todos os requisitos de uma boa alimentação corporal, os parisienses sintam agora maior necessidade de “um suplemento para a alma”.
Numa sociedade que levou quase ao delírio o culto dos bens meramente materiais, esta notícia só pode ser recebida com alento por aqueles que almejam também pelos bens do espírito. Tanto mais se considerarem que as manifestações dessa forte tendência talvez sejam os primeiros lampejos de uma renovação muito mais ampla, pela qual clama a alma humana.
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