Um volume
publicado por ocasião do centenário da Primeira Guerra Mundial reproduz
eloquentes testemunhos de intervenções de Santa Teresinha em favor de soldados
que a ela recorreram.
No dilúvio de fogo e ferro que
assolou a Europa entre os anos 1914 e 1918 não faltaram comovedores episódios
de Fé. E entre eles cabe mencionar a inesperada torrente de veneração dos
poilus1 para com uma humilde freira falecida em odor de santidade em 1897: Sor
Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face.
O mosteiro carmelitano de
Lisieux, onde ela fez o holocausto de sua vida ao amor misericordioso de Deus,
possui mais de dois mil dossiês contendo cartas autógrafas recebidas no
decorrer do conflito, bem como condecorações, medalhas, balas, capacetes e
obuses transformados em ex-votos.
Comemorando o primeiro
centenário da deflagração dessa guerra, uma prestigiosa editora francesa
lançou, em colaboração com o mosteiro, um volume de 203 páginas2 contendo uma
seleção de 75 dessas cartas, muito pouco conhecidas. Reproduzimos abaixo
algumas delas.
Parti sem me confessar
Sou um favorecido por Teresinha
do Menino Jesus e deposito nela grande confiança. Visitei seu túmulo em maio de
1914 e voltei muito impressionado. Entretanto, tendo sido declarada a guerra,
recusei-me a atender aos instantes pedidos de minha mulher e parti sem me
confessar. O respeito humano impediu-me de cumprir meu dever de católico.
Estava afastado da Igreja desde
minha Primeira Comunhão. Todavia, aceitei uma relíquia e uma pequena imagem da
Irmãzinha, e recorria instintivamente a ela cada vez que me encontrava em
perigo nos combates. E ela me protegia, e também aos meus camaradas, pois nunca
vi nenhum deles morto ou ferido perto de mim.
Em meados de setembro,
estávamos nas trincheiras do Gotha, perto de Reims, numa situação difícil, pois
a artilharia não cessava de troar. Pensando com muita tristeza em minha pequena
família, eu rezava: “Minha Irmã Teresa, eu vos suplico, devolvei-me à minha
esposa e aos meus filhos, e prometo ir visitar vosso túmulo logo depois de
retornar a minha terra”.
Mal terminara essa oração, vi
abrir-se uma nuvem e aparecer no céu azul o rosto da santa. Julgava-me vítima
de uma alucinação. Esfreguei várias vezes os olhos, olhando de novo a visão,
mas não podia ter dúvida alguma, pois sua fisionomia se mostrava cada vez mais
clara e resplandecente. Pude contemplá-la assim por cerca de dois minutos.
Observei sobretudo seus belos olhos, elevados ao céu como para rezar.
Desde então sempre fui
corajoso; não me sentia mais sozinho. Tinha também a mais firme esperança de
reencontrar minha família e tomei a inabalável resolução de voltar ao Deus da
minha infância.
De fato, pouco tempo depois,
por motivo de doença, fui retirado do front e conduzido ao hospital; e quando
ali alguém perguntou quem queria comungar, não tive medo de manifestar meu
desejo.3
“Devo isto à minha pequena Irmã Teresa!”
Desde o início da guerra, tenho
comigo uma relíquia da Irmã Teresa. Eis o que me aconteceu. No último dia de
batalha na região da Marne, em setembro, tínhamos apenas oito canhões, contra
25 do inimigo. Nesse momento crítico, acabou-se nossa munição e, na
precipitação para avançar outra bateria que vinha substituir a nossa, caí e meu
canhão passou sobre minhas duas pernas. Elas deveriam ter sido completamente
esmagadas, pois cada canhão pesa mais de duas toneladas!
Meus queridos companheiros de
armas acorreram para me transportar. Qual não foi, porém, seu espanto ao
verem-me levantar sem dificuldade alguma! “Milagre! Milagre!”, gritaram todos.
Respondi-lhes logo, com o coração transbordante de gratidão: “Devo isto à minha
pequena Irmã Teresa!”. Ato contínuo, tirei do bolso um lápis branco e escrevi
em grandes letras no meu canhão: BATERIA IRMÃ TERESA DO MENINO JESUS.
E desde então, quando chove e a
inscrição se apaga, eu a reescrevo o mais rápido possível. Tenho uma confiança
ilimitada na proteção desta santa.4
Um estilhaço de granada em pleno peito
Sob juramento, afirmo dever a
vida à Irmã Teresa do Menino Jesus. Em 16 de março de 1916, na véspera de
partir pela segunda vez para o front, um de meus camaradas deu-me uma imagem da
santinha, dizendo-me: “Parece que ela obteve já muitos milagres em favor dos
soldados, e nos protege”. Até então, eu não a conhecia, mas desde esse dia não
deixei de invocá-la todas as noites, rezando um Pai-nosso e uma Ave-Maria em
sua homenagem.
Pouco depois, em 30 de abril,
participei da sangrenta batalha de Mort-Homme, em Verdun. No terrível combate,
sem parar de lutar, eu rezava a Sor Teresa. Recorria a ela, não por medo, pois
nunca tive medo, mas lhe pedia que sustentasse minha coragem, coisa bem
necessária naquele trágico momento! De repente, na confusão do combate, a 20
metros do inimigo, recebi em pleno peito um estilhaço de granada. Desmaiei e,
quando recobrei os sentidos, a batalha continuava no auge. Exaurido e perdendo
sangue, não tinha forças para me arrastar para fora. Mas, lembrando-me de minha
santa Protetora, gritei: “Irmã Teresa do Menino Jesus, não me abandone!”.
E ela ouviu minha súplica,
pois, sob as rajadas das metralhadoras, logo chegaram os padioleiros e me
transportaram ao primeiro posto de socorro. Lá, julgando grave o meu caso, um
valente capelão administrou-me, ao som dos canhões, a Extrema Unção. Apesar dos
sofrimentos, eu me sentia feliz e pensava, com gratidão, que esse socorro
religioso eu o devia à Irmã Teresa. Eu tinha tanta confiança na querida
santinha que, uma vez ao abrigo das balas, pedi-lhe um segundo milagre: o de
curar-me e me guiar até a sua sepultura, em Lisieux. E fui atendido. [...]
Agora sinto-me disposto a todos
os sacrifícios, todos os sofrimentos, pois a Santa fez-me compreender que assim
expiarei meus pecados e ademais, que Jesus Cristo padeceu muito mais por nós.5
* * *
Passou-se um século exato desde
o início da terrível guerra e a devoção à Santa da Pequena Via não tem feito
senão crescer e expandir-se pelo mundo todo. Pio XI a canonizou em 1925, apenas
28 anos depois de sua morte. E em 1997 São João Paulo II a proclamou Doutora da
Igreja.
Fiel à sua promessa de passar o
Céu fazendo bem à Terra, tem ela favorecido especialmente as novas gerações,
tão necessitadas de ajuda espiritual em razão da sua marcante debilidade.
1 Termo usado para designar os
combatentes franceses da Primeira Guerra Mundial, que significa, literalmente,
“peludo”. Sua origem se remonta à época de Napoleão, quando se incorporaram ao
exército grande número de soldados vindos do campo, que não tinham o costume de
se barbear.
2 Nous les Poilus. Plus forte
que l’acier – Lettres des tranchées à Thérèse de Lisieux. Paris: Du Cerf, 2014.
3 Carta de Auguste Cousinard,
op. cit., p.17-19.
4 Carta de Paul Dugast, op.
cit., p.20-21. Carta de J. Lallement, op. cit., p.64-65.
5 Carta de J. Lallement, op.
cit., p 64-65.
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