sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O pálio

Uma imagem do jugo de Cristo
No dia 21 de janeiro, memória litúrgica de Santa Inês, o Papa abençoa dois cordeiros cuja lã será utilizada para confeccionar o pálio dos Arcebispos Metropolitanos.
Grande foi a surpresa dos quase cinco mil peregrinos ao ouvirem os balidos de dois cordeiros que entravam calmamente acomodados em duas cestas de vime na Sala Paulo VI, durante a audiência geral do Papa João Paulo II, em 21 de janeiro de 2004.
Que faziam ali, naquele solene momento, os dois animaizinhos?
A resposta a essa interrogação que se notava dos olhares não tardou. Era dia da comemoração litúrgica de Santa Inês, e o Ritual dos Pontífices estabelece que todo ano, nessa data, o Papa abençoe dois cordeiros cuja lã será utilizada para confeccionar os pálios a serem impostos aos novos arcebispos na solenidade de São Pedro e São Paulo, 29 de junho.
A cerimônia da bênção costuma realizar-se nos alojamentos particulares do Pontífice, mas como aquele 21 de janeiro caiu na quarta-feira, dia de audiência geral, João Paulo II decidiu fazê-la na Sala Paulo VI, perante os peregrinos.
Uma história quase bimilenar
É pouco conhecida a história do pálio, embora ele seja a mais antiga e característica insígnia do Bispo de Roma. Sua origem remonta à Grécia antiga, onde os grandes oradores e os mais destacados filósofos costumavam levar em torno do pescoço uma espécie de echarpe ou faixa branca, que os distinguia dos demais cidadãos. Esse adorno foi chamado de pallium pelos romanos.
Com o passar dos anos e o desenvolvimento do cerimonial litúrgico, vários elementos dos trajes em voga no Império Romano foram adotados pela Igreja, que os adaptou e sacralizou para serem utilizados nos atos de culto. Esta é a origem, por exemplo, da estola, da alva, da casula, da dalmática, etc.
Assim se deu também com o pálio. Seu aparecimento na Igreja do Ocidente remonta ao séc. IV, no curto pontificado do Papa São Marcos (janeiro a outubro de 336). Durante muitos séculos, seu uso ficou reservado ao Sumo Pontífice, como símbolo do peculiar múnus do Bispo de Roma e de sua estreita relação com o Apóstolo São Pedro.
No decorrer do tempo, entretanto, ele passou a ser usado também por alguns bispos. E a partir do séc. IX tornouse ornamento litúrgico característico dos arcebispos metropolitanos. Atualmente, todo metropolita tem a obrigação de solicitar o pálio ao Papa, no prazo de três meses após sua consagração episcopal, segundo determina o Código de Direito Canônico (cân. 437).
Ornamento de alto valor simbólico
O pálio é rico de símbolos teológicos e litúrgicos. No início, colocado em torno do pescoço, suas duas faixas com cruzes negras desciam de ambos os lados do ombro esquerdo, significando a ovelha carregada aos ombros pelo Bom Pastor.
No séc. IX houve uma mudança: as duas faixas se estendiam pelo centro do peito e das costas do arcebispo; as cruzes passaram a ser vermelhas, recordando as chagas de Cristo; e foram acrescentados três grandes alfinetes negros, representando os cravos com os quais Ele foi pregado à Cruz.
Alguns séculos mais tarde, quando se reduziram as dimensões dos paramentos, diminuiu-se também a do pálio, e foram-lhe dados o formato e as cores atuais, ou seja, passou a ser uma faixa de lã branca, com poucos centímetros de largura, ornada por algumas cruzes negras e três belos alfinetes. E no início do pontificado de Bento XVI foi idealizada uma nova forma de pálio para uso exclusivo do Papa, que se assemelha ao modelo romano antigo.
Quando o Decano do Colégio Cardinalício lhe impôs o pálio, o Papa Emérito comentou: “Este antiquíssimo símbolo pode ser considerado uma imagem do jugo de Cristo, que o Servo dos Servos de Deus toma sobre suas costas. A lã do cordeiro simboliza a ovelha perdida, ou a doente ou débil, que o pastor coloca sobre as costas e leva às águas da vida. A parábola da ovelha perdida era para os Padres da Igreja uma imagem do mistério de Cristo e da Igreja. ‘Apascenta as minhas ovelhas’, disse Cristo a Pedro. E a mim Ele diz o mesmo, neste momento”.
Em discurso na cerimônia de imposição do pálio a um grupo de arcebispos metropolitanos em 1999, o Papa João Paulo II realçou dois importantes significados. O primeiro é a especial relação dos metropolitas com o Sucessor de Pedro. Em segundo lugar, os cordeiros que forneceram a lã para sua confecção simbolizam “o Cordeiro de Deus que tomou sobre Si o pecado do mundo e Se ofereceu em resgate pela humanidade”. E acrescentou: “O pálio, com o candor da sua lã, é apelo à inocência da vida e, com a seqüência das seis cruzes, é referência a uma quotidiana fidelidade ao Senhor, até ao martírio, se for necessário”.
“Tomado do corpo de São Pedro”
Dado esse alto valor simbólico, compreende-se que se tomem especiais cuidados para a confecção dos pálios. Assim, todo ano são selecionados dois cordeiros entre os mais belos e saudáveis do Agro Romano, os quais, depois de serem abençoados pelo Papa no dia 21 de janeiro, são levados para uma dependência da Basílica de Santa Cecília, no Trastevere, onde as monjas beneditinas que ali residem cuidam deles com esmero. Depois, no momento propício, elas os tosam e tecem a lã com a qual elas próprias confeccionam primorosamente os pálios.
Estes são então entregues ao Papa, que os manda depositar num escrínio junto ao túmulo de São Pedro, nas Grutas Vaticanas. Ali eles permanecerão durante um ano, tornando- se, assim, uma espécie de relíquia indireta de São Pedro. Isso confere maior propriedade à fórmula “de corpore Beati Petri sumptum” (“tomado do corpo de São Pedro”), usada na cerimônia de imposição. “É do túmulo do Apóstolo, memória permanente da sua profissão de fé no Senhor Jesus, que o pálio recebe força simbólica”, afirmou João Paulo II, no mencionado discurso pronunciado em 1999.
Revista Arautos do Evangelho - Março 2006







domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Cristo do Veneno

Qual seria a origem de invocação tão inusual, sob a qual é venerado esse antigo crucifixo?
Quem passeia pela Cidade do México pode encantar-se com belos monumentos, mansões, conventos e igrejas ricamente ornadas. Na região chamada “El Zócalo” há muitas coisas para ver, entre outras, a grandiosa catedral da cidade, ainda danificada pelo terremoto de 1985. Não muito longe desta, encontra-se a rua Venustiano Carranza, por onde circulam diariamente milhares de pessoas, seja para compras ou simplesmente para se recompor da faina diária, saboreando os típicos tacos ou então as quesadillas.
É nessa região que deparamos com um pequeno templo chamado Porta Cœli, aonde muitos fiéis vão para agradecer as graças recebidas ou pedir favores diante de uma imagem conhecida pelo singular nome de “Senhor do Veneno”.
Qual é a história de tão inusual invocação? Em 1602, chegou ao México, então Nova Espanha, uma delegação de dominicanos, trazendo para o seu seminário um belo crucifixo de tamanho natural, com a imagem de Jesus de alvura impressionante. Essa imagem foi entronizada no lado esquerdo, próximo à entrada da igreja.
Ali havia um clérigo, o qual dedicava especial devoção àquele Cristo. Não deixava passar um dia sem fazer as orações diante dEle e oscular piedosamente Seus venerandos pés. Certa vez, esse sacerdote atendeu em confissão um homem que declarou ter roubado e matado cruelmente. Ante a revelação de tal crime, o religioso afirmou que Deus perdoaria sempre, desde que restituísse o roubado e se entregasse à justiça, pois não bastava se confessar, mas era também necessário se arrepender e reparar o dano sofrido. O criminoso recusou-se a fazê-lo, retirando-se do confessionário furioso. Temendo ser denunciado, maquinou um pérfido plano para assassinar o sacerdote.
Escondido pelas sombras da noite, furtivamente se introduziu na capela e molhou os pés do Cristo com um poderoso veneno. Ninguém o viu e, sorrateiro como havia chegado, ocultou-se num canto sombrio. No dia seguinte, depois de fazer as orações costumeiras, aproximou-se o padre para beijar os pés da imagem, quando, para seu espanto, ela dobrou os joelhos milagrosamente, levantando os pés, de modo a impedir que estes fossem osculados. Enquanto isso, a imagem absorveu o veneno, em consequência do qual sua cor se tornou negra.
O religioso teve ainda maior surpresa quando ouviu soluços provenientes de alguém oculto atrás de uma coluna. Era o assassino do dia anterior, que ali aguardava o efeito de seu maligno plano. Verdadeiramente arrependido ao testemunhar tão maravilhoso prodígio, em prantos, fez por fim uma sincera confissão e logo em seguida entregou-se à justiça, disposto a pagar por seus crimes.
Desde então, a milagrosa imagem passou a chamar-se “Senhor do Veneno”. Todos concordavam que o Cristo não só havia protegido seu devoto, absorvendo o veneno, mas Seu misericordioso ato também simbolizava como Nosso Salvador toma a Si nossos pecados, estes sim um terrível veneno, que mata a alma, impedindo-a de alcançar a vida eterna.

Anos depois, a imagem foi transferida para a catedral metropolitana. Quando a igreja de Porta Cœli foi entregue aos sacerdotes do rito greco-melquita em 1952, o pároco desta incumbiu um renomado artista de esculpir uma cópia, a fim de que o “Cristo do Veneno” pudesse ser venerado também na sua igreja de origem.
Revista Arautos fev 2009